Um deserto de palavras
_Um deserto de palavras entre nós...
_ Que idéia! Esquece-te disso, Ana. Vocês trabalham juntos!
_ Um deserto! Quem nos conhece sabe bem. E mais- o meu coração é império dele!
_ Sei: e você é a princesa!...
_ Marcos!
Eram nove horas da noite; amigos numa festa, justamente na ocasião em que Ana concluíra sua pós- graduação em Biologia. Ali mesmo confidenciara à amiga, minutos antes, os segredos de sua alma. E que esta história não seja por demais aborrecida a quem lê. Em tempos imemoráveis ouvíamos contos maravilhosos na varanda das casas, luzes de candeeiro a querosene entre rodadas de café, tapiocas da farinhada de então. Ocasiões eternas narradas por nossos avôs. Não haverei eu de negar o encanto que mora em mim acerca dessas histórias. Mas deixemos à parte, pois Ana corre os olhos entre os convidados do clube.
Trabalhavam esses dois envolvidos na trama, que lhes teço agora, na mesma escola. Conhecem-se desde pequenos, da mesma rua e não podiam deixar de sê-lo- foram namorados na adolescência. Ela dotada de extrema sensibilidade, linda em seus cabelos de índia, lábios convidativos ao sorriso, cor-de-rosa em seu amor por ele. Marcos não era rapaz de sonhar alto, pois moderava suas emoções já que a ternura era-lhe um traço característico. Não havia muita distância entre eles- só o deserto de palavras- das ilusões na realidade do amor.
Bem já é tempo dos dois se encontrarem na festa. Qualquer um que fosse àquela confraternização natalina se encontraria em algum momento com conhecidos. Ana sorrindo passou s mãos nos cabelos, caindo uma presilha de adornos florais.
_ Ana!_ deu-lhe o objeto.
_ Sei que pode soar ridículo disse olhando-o nos olhos, receio nos dela_ Mas pensava em você...
_ Sim, interrompeu Marcos socorrendo-a com as palavras_ eu também pensava em ti.
Ah! As mulheres! Quem as entende?
A imaginação de Ana correndo por lábios em bocas. A dele! E foi... Seguiu pelo pescoço... Arrepiando a pele! Deliciosa viagem! Mordidas no lóbulo das orelhas, uma língua- serpente peregrina em contornos- enroscando-se no aroma de sua audição. Quis falar-lhe do efeito da voz adocicada na pele. O descompasso do coração;arrebatando-a em meio a um turbilhão de desejos. A fantasia crescendo nestes, de uma boca a sugá-la.
O corpo sensual do homem. Entre martírios sua mente. Cálice de vinho a boca. A mudez de Ana passeia na solidão das mãos dele. A desfiar estrelas em seus olhos! Caindo... Caindo em devaneios. Fossem vidas autônomas as mãos se aproximariam de seus seios- taças ávidas de desejos- ouvindo acordes de prazer de seus lábios. O espírito quente em flor abrindo-se às duas mãos em gloriosos murmúrios aos céus.
A mente livre- liberdade é tudo- muito febril vagueia pelos braços dele, nos pêlos negros da pele, veias pulsando, como um rio correndo além mar. Aproveita a palavra e deita na areia, as ondas em festa nos corpos a si tocar. Ela, aberta em flor, na boca a beber da dele, o sabor do amor. E numa ânsia de amantes, a noite (Ai!) beija a lua, misteriosa mulher, aflita dos temores de Ana, fechando os olhos enquanto eles se amam.
_ Dize.
_ Ana, eu não poderia negar-me o prazer de ti parabenizar.
_ Há duas semanas não nos víamos, não é mesmo?
_ Não a vejo desde o início deste mês, arquejou Marcos ocultando um suspiro...
_Bem, é Natal! (...)
_ Os amigos_ Um silêncio na frase interrompida_ se confraternizam.
Ana deixou um olhar questionador no ar. A um bom observador havia um grito naqueles olhos, além de um anseio mudo, que o homem não percebeu. Quase perdida em seus sonhos- uma deliciosa boca pronta a beijar- foi desviando os olhos dele, como outrora fazia, gesto já corriqueiro, sorriso morto, foi a primeira a dizer: “Feliz Natal!”
Marcos viu-a suavemente dançando com um amigo, acompanhando o movimento do par, admirando a elegância da moça, os olhos navegando nos dela... Navegando...