O ALMANAQUE

No interior de Santa Catarina há uma cidade, muito pequena, onde a maior autoridade era o padre. Não estava escrito em nenhuma portaria, mas ele era, de fato, autoridade. Mesmo quando ele não fosse consultado em algum assunto, sempre pairava uma dúvida sobre o julgamento que faria.

Numa determinada época do ano, a paróquia vendia um tal de “Anuário Inaciano”, mais conhecido por Almanaque. O “Inaciano” ficava por conta da homenagem a Inácio de Loyola, fundador da ordem da qual o padre fazia parte.

Embora a aquisição do Almanaque não fosse obrigatória, a maioria o adquiria não só pelo medo de que seu nome constasse de uma “lista negra” que o padre pudesse elaborar, mas porque ele era muito útil.

Trazia informações sobre dias propícios para plantar isso ou aquilo, sobre plantas que curavam muitos males, sobre como tratar sapatos novos pra não darem calos etc, etc. etc. E, claro, trazia a lista de todos os santos e o dia em que cada um deveria ser venerado, o calendário de eventos da Igreja, histórias de santos, instruções do vaticano, relatos de fé e muito mais.

Para contar esta história, preciso contar uma outra: Na nossa pequena propriedade rural, os animais sabiam quando era domingo. Era o dia em que nós, depois de voltar da missa onde a presença era obrigatória, íamos para o futebol ou qualquer outra diversão. Os animais, quando recebiam tratamento, era de uma maneira apressada, fora de horário e em porções menores.

Um boi, que por motivos que não me lembro, estava fora do potreiro, amarrado na sombra de uma laranjeira é o protagonista desta história. Ele estava amarrado, com sombra em fartura e comida nenhuma. Meu pai, vendo o animal ruminar pela terceira vez o jantar do dia anterior falou:

- Alguém leve o Almanaque para aquele boi, para ele ter o que fazer.

Com seis anos de idade não consegui entender a ironia do meu sábio pai. Peguei o Almanaque da prateleira e “entreguei” para o boi. Quando meu irmão mais velho chegou com o feixe de pasto, encontrou apenas os fiapos babados do Almanaque e o boi se esforçando para mastigar o restante.

Luiz Lauschner
Enviado por Luiz Lauschner em 20/04/2008
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