História de caçador
Em histórias de caçadores e pescadores só acredita quem quer. Geralmente, ninguém acredita, mas gosta de ouvir. Quando o assunto é contar mentiras, sempre há uma de caçada ou pescaria. Meu cunhado me disse isso, ao me narrar esse causo:
Aconteceu com meu vizinho e compadre Zé Onofre. Ele é um homem trabalhador, bom chefe de família e de muita confiança, por isso, eu acredito na sua historia. Sentado aí neste banco, ele respirou fundo e começou:
Dia desses, compadre, sai para caçar. Peguei minha espingarda, carreguei com chumbo grosso. Apanhei também uma rede e fui andar lá para as bandas do rio. A noite vinha chegando e, como ainda não tinha matado nada, decidi esperar em cima de uma árvore. Subi, armei a rede no alto, num lugar de onde eu pudesse ver algum animal se aproximar. Tinha que ser um bicho de carne boa. Não caço a toa, se for só para matar o pobre animal, eu não caço.
No meu embornal, além da munição e uma lanterna, eu levava farofa de galinha e um taco de rapadura, que era para enganar o estômago, mais tarde. Para passar o tempo preparei um bom cigarro, com a palha e o fumo de rolo que sempre levo comigo. Acendi e fiquei de olho bem aberto, pitando, observando, esperando...pitando.
Noite alta. Céu sem lua. O silêncio era interrompido apenas pelos pios dos curiangos. As sombras densas e espessas me fizeram cochilar e acho que até dormi. Pois acordei assustado, com um barulho estranho que fez um arrepio subi pela minha espinha, passar pelos ombros, ganhar a cabeça e deixar meus cabelos todos em pé. Meu coração acelerou e o meu fôlego encurtou. Não vou negar que tive medo. Em todos os meus anos de caçador, jamais conhecera um momento de tamanha inquietação. Olhei em volta, mas não vi nada.
Recuperado do susto, voltei a cochilar. Não queria mais dormir. Por isto, eu garanto que o que vi naquela noite não foi sonho. Estava bem acordado, pensando na boa caça que poderia levar para casa.
De repente, ouvi um matraquear embaixo da árvore. Parecia barulho de queixada. Fiquei animado porque é uma caça boa. Peguei a lanterna e foquei na direção do barulho, prestando muita atenção para ver quem era o autor daquele ruído.
Não demorou muito e vi um vulto muito esquisito aparecer no foco de luz. Mesmo com a lanterna apontada na sua direção, não consegui entender direito o que via. Saí da rede. Pequei a espingarda e desci um pouco, e aí, consegui distinguir umas malhas brancas no bicho, parecia uma onça. Porém, não compreendia o que estava acontecendo. O matraquear saía dela.
Desci da árvore. No chão, olhei em volta a procura de um abrigo seguro, por que não queria terminar meus dias, destroçado por um animal feroz. Foquei firme a lanterna e, com os olhos bem abertos, vi que era mesmo uma onça pintada. Nas suas costas, notei que havia um esqueleto pregado. O matraquear era produzido pelas batidas dos ossos do esqueleto, uns contra os outros, quando a onça andava. De tudo que já vi na vida, não me lembro de nada mais estranho e assustador. Com pena dela dei-lhe um tiro e a livrei daquele sofrimento.
Aproximando-me dela, pude ver que aquele monte de ossos era o esqueleto de um tamanduá. O bicho, provavelmente, numa briga com a danada, cravou-lhe as unhas no lombo. Não podendo se soltar, morreu de fome, enquanto ela sofrendo de dor, andava pela mata sem poder comer, nem beber, assustando os outros viventes com aquele esqueleto matraqueando nas suas costas. Seu sofrimento só terminou, quando eu a encontrei e matei.