MADEEEIRA!

O causo que vou relatar a seguir é verídico e mostra um pouco da atividade madeireira na região dos rios do Amazonas e seus paranás.

Ao contrário do pregam pseudo-ecologistas e do entendimento do governo, o madeireiro não é um destruidor de florestas. Ele corta árvores adultas, porque as de pequeno porte não são comercialmente interessantes. Simplesmente porque não têm rendimento na industria.

As serrarias, por vezes, financiam os madeireiros – que efetivamente derrubam as árvores – durante a seca, para que estes possam apanhar as toras na cheia, de balsa ou em jangadas, pelos rios até o porto da serraria. Esta é uma atividade arriscada, uma vez que nem todos são honestos. Embora o financiamento raramente seja em dinheiro vivo e sim em mantimentos, combustíveis, ferramentas etc., acaba formando um vulto considerável.

Feito estes preâmbulos, vamos ao causo:

Eu tinha uma madeireira de pequeno porte e sofria com os caloteiros. Mesmo freando e dificultando ao máximo as antecipações, acabava perdendo em torno de 30% dos valores pagos antecipadamente. Nem sempre por má intenção do fornecedor. Havia acidentes, temporais de desmantelavam jangadas, pondo as madeiras pro fundo e outros atropelos.

Contudo havia um malandro que toda vez que vinha a cidade tinha uma história comovente pra contar e nunca trazia o suficiente para cobrir seu débito. Às vezes trazia tão pouca madeira que nem pagava as despesas do transporte. Eu tinha feito uma pesquisa e descobrira que ele tinha pelo menos quatro mulheres, uma em cada rio, cheias de filhos, além de companheiras ocasionais. Já tinha decidido encerrar as negociações com ele, nem que perdesse o que ele ficara devendo.

Foi então que uma solução me veio, na pessoa de um primo que chegou para uma visita. Esse primo se rolava de rir com a variedade de nomes, para ele engraçados, que as madeiras tinham: Louro-bosta, Cupiuba, mulateiro, sapateiro, barriguda, louro-gamela, amargosa, muiracoatiara, amapá leitoso, coça-coça, fede-fede, assacu, escorrega macaco e outros além da variedade de angelins, copaíbas, faveiras, sucupiras etc. Sem contar, é claro, com os nomes falsos com que os madeireiros apelidavam madeiras que sabiam serem impossíveis de serrar.

À noite, em volta de um fogo onde assávamos uma costela de tambaqui, regada a muita cerveja, eu contava as dificuldades e os trambiques mais comuns dos quais tinha sido vítima. Depois de dizer que no dia seguinte ia ter uma reunião com dois fornecedores problemáticos ele começou a urdir um plano. No dia seguinte, com a minha concordância, quem comandou a reunião foi ele.

Chegada a hora, eu fiz os participantes aguardarem a chegada dele, que entrou com muita pompa.

- Eu represento uma empresa compradora e nós estamos dispostos a investir alto na compra dessas madeiras para exportação. Os senhores que conhecem a região, podem me ajudar. Muitos não conhecem estas madeiras, mas quem as tiver, ou souber onde podem ser encontradas, vai ganhar dinheiro. – Fez mais algumas considerações atiçando a cobiça do pessoal. – Esse é um negócio meu com vocês, a madeireira aqui só serve de ponto de encontro, mas meu negócio é direto com vocês.

Quando ele começou a ler a lista de madeiras da folha que acabara de datilografar, eu saí da sala e fui rir nos fundos. Todas elas eram madeiras que ele criara durante a noite e agora expunha como as mais nobres do mundo. Tinha feito cópia da lista e deu pra eles, estudarem.

- Gente! Eu estou falando de dinheiro, não de esmola. O que vocês precisarem, podem pedir que nós temos condições de bancar.

Marcaram nova reunião para o dia seguinte, para avaliar as quantidades de madeiras possíveis de serem extraídas e as necessidades de financiamento.

Eu dei nova lida na lista de madeiras para me familiarizar com as espécies “raras” que ele criara. Havia alguns que eram totalmente descabidos como: pariparriba, pau-de-dá-em-doido, louro-carimbó, popatapataio, xiripapica. Outros perfeitamente possíveis mas que nunca tinham sido pronunciados na região: sombra de onça, fruta de jacaré, peroba-açu, canela de veado, sabão de índio e por ai afora.

No dia seguinte aconteceu nova reunião. Trouxeram mais dois “conhecedores” de madeira que conheciam lugares onde tinha essas madeiras aos montes. Quando um desses “consultores falou que região do rio abacaxis tinha xiripapica fazendo fila, esperando ser abatida, eu fui embora. Não queria rir e assim estragar os “negócios” do meu primo. Este por sua vez, procurou me minimizar junto aos fornecedores, como me contou depois.

Prometeu a eles todo o financiamento que precisassem. Traçaram mapas e metas, tudo para ar veracidade ao projeto que ele iria discutir com seus “sócios”.

- Eu vou ficar mais uns dias por aqui, depois eu viajo. Na minha volta, dentro duas ou três semanas, venho com o dinheiro e equipamento. Não quero que vocês façam compromisso com ninguém, nem com esse mão-de-vaca que tem medo de investir em madeireiros.

Quando ele viajou, quatro dias depois, foram despedir-se dele no aeroporto. Isso ocorreu em há quase 20 anos. Nunca mais meu primo voltou, nem mandou dizer nada. Eu tinha a melhor desculpa pra me livrar dos trambiqueiros. Afinal, eles tinham me traído, confiando no primeiro cara bom de conversa que apareceu.