O SEGREDO

A mulata JOANA filha da finada escrava negra e cozinheira Anastácia, trazia a mistura do capataz espanhol Diogo que já velho encostado pelos cantos do galpão com seus oitenta e oito anos.

Joana era a última rapa do tacho dos doze filhos que Diogo teve com Anastácia, ficou de cozinheira no lugar da mãe.

O dono da estância, Coronel Joan Miguel um espanhol, morreu com noventa anos e assumiu o comando foi o genro João Gregório, casado com a filha Maria Inês, braba, sangue quente, ciumenta, matrona, mandona e vingativa, porém nutria pelo marido uma grande paixão.

A mulata Joana, era um pitelzinho que não negava a mistura, seios fartos, ancas largas, coxas grossas, bunda rebitada com amplas nádegas, um rosto provocativo com dois olhos negros um nariz fino e lábios carnudos e quando sorria uma dentadura branca perfeita, quando caminhava num rebolado cadenciado, deixava os olhares dos homens enlouquecidos e ela sabia disso.

Ora, João Gregório logo foi cativado, patrão entre olhares foi se achegando, como quem não quer nada. Os olhos de Joana diziam sim, ele se atreveu e meteu a mão naquela bunda farta, logo a coisa esquentou e ele acabou numa madrugada visitando o quarto da moça.

Joana então se entregou aos desejos do patrão, era virgem, o que importava nestas horas, para ela João Gregório era sua conquista maior.

Assim se tornou hábito, João Gregório fazer visitas noturnas, para não ficar grávida Joana tomava chás e ervas entre elas o famoso chá Catinga de Mulata, por um ano a fio a traição noturna de João Gregório ficou em segredo, até que um dia Dona Inês, que era uma bela mulher, notou a frieza do marido, então sua preocupação foi aumentando que começou a cuidar e espiar os passos do seu marido, até que notou que a desculpa que ele ficava lendo antes de deitar não era verdadeira, pois ao descer as escadas nunca encontrava o marido lendo perto da lareira onde dizia estar.

Então sorrateiramente percebeu que ele visitava o quarto da empregada. Fingiu que nada sabia. Pelo contrário se tornou mais carinhosa, mais afetiva.

No dia do aniversário do seu marido, Inês foi para a cozinha preparar o prato principal que seu marido mais gostava, guisado de coração.

- Ué, tu estás na cozinha mulher, onde está Joana?

- Eu fiz questão de cozinhar hoje e fazer teu prato predileto.

Picou o alho, a cebola, enquanto o coração picado fritava na banha de porco, sal, pimenta de reino o cheirinho tomou conta do ambiente, largou um nó moscado ralado depois mexeu com uma colher de pau, rodelas de tomate, pimentão picado e cheiro verde.

Pois na hora de servir, ela fez questão de trazer o prato, bem enfeitado. João Gregório que sentia o cheiro, fechou os olhos e depois provou, lambeu os beiços e dizia:

- Meu amor, que delícia, como tu fazes bem esse prato, com certeza foi o melhor de todos que comi.

- Meu amor, tu acabaste de comer o coração da tua amante, por isso ele está tão gostoso.

- Amante? Como assim, do que está falando?

- Comeste todo o coração da mulata Joana, certamente está enfarado do amor que ele continhas por ti.

João Gregório se engasgou,seu estômago revoltou, achou que era apenas uma zombaria da esposa, levantou com os olhos arregalados e correu para o quintal, na sua ansiedade, gritou por Joana, ordenou a todos:

- Procurem por Joana, imediatamente, achem ela.

Em vão, todos saíram a procurar e nada de achar Joana.

João Gregório olhou para sua esposa Inês e disse:

- Como tu tiveste coragem de fazer isso? Como? Meu Deus, tu mataste ela e fizeste isso comigo?

- Pois amarrei e arranquei o coração dela com vida, ele pulsava na minha mão enterrei aquele corpo nojento num lugar que tu jamais saberás, queria o amor dela, pois comeste todo seu traidor e trate de me respeitar como te respeito meu marido.

- Não fizeste isso sozinha, tem testemunhas e cúmplices e vou descobrir.

- Jamais irá, pois bem sabes quem é a dona desta estância, se comandas ela é porque permito.

Assim João Gregório calou-se diante da grande atrocidade, pois o velho dono da estância era pai de Dona Inês, antes de morrer deixou escrito, que a estância e todos os seus bens pertenciam somente a esposa e filhos do matrimônio num testamento lavrado .

Ele aquietou-se, engoliu a mágoa e a dor e o tempo tratou de apaziguar as coisas, porém depois dessa jamais voltou a comer guisado de coração.

Logo Dona Inês pegou barriga, as coisas voltaram ao normal na estância, ficou o mistério do desaparecimento de Joana, diziam tantas coisas pelos cantos do galpão.

Assim nasceu o primeiro filho Afonso, depois Adália, a vida continuou.

Um dia o capataz da estância Matias, falando com o velho Diogo, já com 91 anos pai da mulata Joana, perguntou:

- Mas me conta, com ficou tão passivo diante do desaparecimento da tua filha, pois dizem que ela foi morta e jogada num dos peraus(1) do cerro dos morcegos, até falam que o Seu Gregório comeu o coração dela, pois Dona Inês descobriu que ele dormia nos pelegos dela.

Diogo ficou quieto e deixou Matias se afastar, sorriu e disse prá si mesmo:

- Ehehehehe... Ele comeu um coração de porco. Minha filha, foi embora da estância levada por mim até a porteira com uma boa quantia de dinheiro, com a promessa de nunca mais voltar, mas isso é um segredo que vou levar para o túmulo, conforme prometi prá patroazinha.

Não precisa ser má, basta ter a fama.

João Gregório acalmou o facho, pois Dona Inês disse para ele:

- Na próxima vou preparar com prazer um guisado de linguiça de marido.

Público
Enviado por Kathy Nyedja em 18/11/2024
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