A ÚLTIMA FRASE DE UM MORIBUNDO




Um corpo foi encontrado numa trilhazinha de terra numa cidadezinha interiorana que não era palco de um caso de homicídio há mais de dez anos. O cadáver apresentava uma profunda perfuração na região abdominal e um extenso filete vermelho fluiu formando uma poça de sangue coagulado, contribuindo para dar o aspecto mais tétrico ao quadro.

Não se falava noutra coisa.

Dona Cotinha, muito conhecida por seus préstimos em funerais, mesmo não sabendo quem era o defunto, não poupou um lençol antigo para cobri-lo e ainda tentou fechar os olhos da pobre vítima e que enevoados pareciam ter percebido que a luz lhes fugiu para sempre.

O Dr. Crispim, Delegado da cidade vizinha ficou incumbido de desvendar o crime e acabou descobrindo que a vítima era um andarilho conhecido como Mutuca e que apesar de andar errante, não bebia e não possuía inimigos, inclusive, de quando em vez, alguma alma caridosa o alimentava.

As suspeitas recaíram sobre outro indivíduo esquisito, calado e que ao contrário de Mutuca, vivia caindo pelas calçadas e sempre arranjando encrenca nos botequins. Na hora provável do crime o caboclo foi visto saindo do campo de futebol justamente da direção onde foi encontrado o corpo de Mutuca. Nivaldina, uma espécie de porta voz da boataria, afirmou de pés-juntos que o Jamanta tinha uma peixeira que trazia enrolada num jornal que lhe servia de bainha e que já se envolvera em Arapiraca numa briga de bar e por isso, fugiu para São Paulo. Ela dizia: ___ Não posso provar nada, mas eu ouvi dizer.

Não foi difícil encontrar Jamanta que negou por tudo o que é mais sagrado que tivesse sido o autor de crime tão hediondo. O Dr. Crispim, depois de pedir vários prazos e realizar uma série de diligências, não teve alternativa, relatou o inquérito enviando-o para o Fórum local, tendo como indiciado o Jamanta, cujo nome era Silvergledson Antonio Nilo.

O Promotor ofereceu a denúncia que foi recebida pelo Juiz de Britolândia.

Designada a audiência, vieram as três testemunhas chaves arroladas pela acusação. O Cabo PM Gilson disse haver recebido um chamado via rádio e deslocou a viatura sob seu comando até o local onde já encontrou sem vida o corpo de Mutuca. A segunda testemunha também era Policial Militar, ou seja, o motorista que dirigia a viatura policial e que narrou os mesmos fatos que seu colega, ou seja, ninguém trouxe absolutamente nada que pudesse ligar Jamanta ao delito. Finalmente veio a terceira testemunha que narrou para o juiz que pedalava sua bicicleta próximo à trilha que dá acesso ao campinho de futebol quando notou alguém caído e ainda com vida.

O Promotor soltou ar de alívio e o magistrado encheu-se de esperança de fazer emergir a verdade dos fatos a partir do depoimento daquela testemunha. Perguntou o Juiz:
____Então a vítima estava viva? A resposta foi afirmativa.
A segunda indagação foi mais incisiva: ___ A vítima estava sóbria?

O matuto perguntou: ____ Como assim? O Juiz resolveu modificar a pergunta e indagou:___ A vítima estava em pleno juízo?

A testemunha falou sem pestanejar: ___ Ara se tava.

O Juiz resolve fazer a pergunta chave. ___A vítima falou algo? A testemunha respondeu em tom sepulcral: ___ Sim, o finado falou uma frase que não me sai da lembrança.

Impaciente, o magistrado pergunta em tom mais elevado de voz: ___ O que foi que ele falou?
¬¬____Ah excelência, ele olhou fixamente para mim e me disse: ____AAAAAAiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!!!!!!! e, depois morreu.

Até hoje ninguém descobriu quem matou Mutuca. E o Jamanta ? Bem o Jamanta, acabou batendo com as dez e a causa mortis foi cirrose hepática crônica.