Maria das Dores

Naquele quefazer de fim de mundo, onde o chão de farinha fofa se despegava no vapor, colando nas gentes embuídas das labutas de precisão, eis que Maria das Dores, uma das sete resididas na Vila do Meninos, se enfadou da esticação dos tecidos no cordão. O serviço era por demais infrutuoso, na pulverulência do sertão. Estava na danação dos sucumbidos pela renitência, carecendo de algum abstraimento para seus ânimos. Foi no atual que sucedeu, feito um júbilo impremeditável, de Das Dores avistar no arredado, um favorável ao seu dia.

Vinham de lá, sacudindo uns palhacinhos de cabeça de plástico, dentro de uns cones de papelão, molecotes de canela emporcalhada à frente cortejo circense, numa afobação de estripulia, trazendo elásticos verdes a meio buço e como se a vida lhes fizesse cócegas, oferecendo por bagatela o brinquedo e as alegrias chutadas pra todo canto, dilatando o pó já por demais esparramado.

Maria, por detrás da cerca de arame farpado, avistou no panorama, ali bem confinante aos travessos, uma jamanta a trafegar na vereda, anuindo o abeiramento de um circo, precedida de uns apetecíveis malabaristas a equilibrar claves, pratos em varas longas e a faiscar facões na decepação do vento. A voz roufenha de algum destinador, desembestada num altifalante, indiciava a locução dos turnos das fascinações.

No postimeiro da caravana, uns palhaços empoeirados e meio tristes, caminhavam em ritmo fúnebre, buscando um empenho na simulação da alegria, endereçando beijos e acenos aos escassos moradores da vila. Um palhaço, desses sem disposição de palavra, içou em Maria, da boca do estômago, um riso de franqueza.

No primeiro divertimento da noite, encontrou-se Maria das Dores, numa ambiência de ardil. Pois a vista lhe apostolava no ensejo de possuir a aptidão do giro frenético e astigmático da moça de colant prateado. Viu-se inserida num sonhar. Achou-se no mundo, no desejo acachapante de desvencilhar-se da secura de uma vida sem conseguimentos. Não queria mais lençóis amarelados de pó, queria a liberdade de pássaro, a enfeitar as vistas no magnetismo do brilho. Sua vida era por demais embaciada, era hora de ver vantagem na impermanência.

Maria encantou-se soberbamente e se exilou no poscênio, avultado de figuras tingidas nos couros das caras e envelopadas de cetim exuberante. Das Dores se ornaria para sempre de plumas. Esquivou-se daquele ordinário de peleja e se agrupou no frenesi de muitas estradas pulverosas, sem a melancolia dos hesitantes.

Era agora, nesse desassossego da fuga, a alma mais apaziguada pela antelação acertada. Na sua fundura nadou o palhaço desprovido da verba. E se fizeram, um ao outro, um bem danado.