Vento Áureo

O Rei Corvo estava assentado ao seu trono enquanto observava seu belo jardim no salão do castelo com as flores sendo agraciadas com a luz do luar. Ao trocar as pernas de posição, logo teve uma visão, uma visão que perturbara todo o seu ser, arrepiando suas penas cerúleas até a alma.

Viu sua vida regressa diante de seus olhos, como a luz entrava em seu jardim fosse a luz do antigo pássaro que era, enquanto o chão, forrado a feno e palha e as paredes de ferro cinza, logo se deu conta que estava em sua gaiola, aquela gaiola que prometeu nunca mais entrar, logo viu-se de pé, em prantas pausas do respirar.

Olhou com os olhos dourados a vida que tivera, procurando os passos dourados do destino e não encontravam, haveria ali se encerrado o propósito de sua vida? Haveria o Criador lhe encerrado as cortinas destas memórias e castrado suas expectativas de futuro e final glorioso?

Por um breve momento encheu seu peito em angústia junto ao ar que respirava. Em um pulo arrancou parte do telhado de vidro já quebrado abrindo suas asas sob o ar em um tom cabreiro, demonstrando a besta fera da sua alma, até vislumbrar o deserto arroxeado que cobriam suas ruínas de um reino perdido.

A quanto tempo não abria suas asas, seja em fúria, seja em alegria, seja para relembrar que era um corvo, quantas vezes foram necessárias as quebras e amarras, a perca de pena e o rachar do bico para renascer em si, e agora, as pegadas do deserto que levavam o Senhor haviam se apagado.

Vislumbrando novamente com seus olhos dourados, forçou a vista sobre o deserto noturno, abraçado pelo calor frio do Sol Negro, as rajadas de ar passavam por seus cabelos, entre as frestas de sua armadura, balançavam a espada presa em sua cintura, não haviam pegadas, haviam ventos dourados que lhe agraciavam.

Ora, o Rei Corvo é notoriamente um pássaro, utiliza-se da terra para o básico, mas é um filho do vento, é uma ave que nasceu para a liberdade e para a prosperidade, mesmo que não semeie, mesmo que não roce, alimentar-se-á do Senhor.

Oh ave maldita, és hora de teu renascimento, aquebrantando o tabu da besta fera, perdendo o nome de maldito e sendo o mistério do cerúleo do fim de tarde, aquele sentimento de curiosidade, o sentimento de ser livre.

Os ventos dourados balançavam suas penas e atravessavam sua proteção, lhe trazendo o frescor do céu, o respirar das estrelas e a vida do destino, voou, voou, mas suas asas não paravam de bater, seus pés não queriam alcançar o solo, seu rosto não suava na tensa escuridão, mergulhava entre as nuvens, palpava a humidade, passava as mãos na margem do lago, desferia rasantes sob o abismo do deserto, de certo, era mui livre, e lhe agradava.

Os ventos dourados, nórdicos ou sulistas, deste ou este lado, lhe levavam a um só lugar que deveria estar, em si mesmo e somente si, por muito tempo, o egoísmo bastava para viver e, por um breve momento deixaria o altruísmo àquelas flores para que a si mesmo tocasse o sol, era momentos de novos ardores e novas dores, o novo conhecido e o velho desconhecido, aventurar-se sob as brumas do céu, mesmo que pareça impossível.

Por muito tempo angustiado, sem perceber que se encontrava em uma gaiola, não deixou a claustrofobia de sua mente lhe cessar a esperança, eram tempos de ventos para pássaros, era tempo do dourado rasgar o véu do abismo, era tempo a muito tempo.

Para onde iria, por onde percorreria, atravessaria florestas, buscaria luz em desfiladeiros, sentiria as terras quentes ou mergulharia em oceanos profundos? Ponderava mudar, mas, de primeiro momento, voltar para o velho, para reconstruir o novo, ressignificar.

Àqueles que planejavam sua ruína, sejam conhecidos ou próximos, nada lhe afligiria, sejam por falsos testemunhos, sejam por perversas palavras, as histórias do Corvo Cerúleo somente a ele pertence, independente de quem seja seu trovador, a verdade real cabe somente ao seu patrono, ele.

De coração aquebrantado, alma pálida e fogo fátuo ele secava o sereno dos céus, cobrindo-se de vida, logo seguiria os ventos que o Criador lhe havia predestinado, nunca na hipótese de ter sido abandonado, mas de ser moldado mesmo que para isso tivesse que lhe quebrar por inteiro, ah ave mestiça, a aventura é feita no sangue e como todo pássaro na presença de Deus, há momentos de imigrar, ir para se conhecer, preservar a natureza que lhe foi dada.

Os ventos dourados apontavam para seu coração, mesmo que até o momento seu coração lhe tenha sido pedra de tropeço, mas a promessa realizada para si mesmo é maior que qualquer linha tênue entre a imbecilidade e a razão, o Corvo Cerúleo prometeu, antes e depois que nunca voltaria para a gaiola, mesmo que uma vida só, é melhor que uma vida só.

Ele se lembra dessa promessa, com todas as forças e não deixará pelo menos esta promessa ser quebrada.

Corvo Cerúleo
Enviado por Corvo Cerúleo em 20/06/2024
Reeditado em 21/06/2024
Código do texto: T8090043
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