Gosto de infância
Saudoso gosto de pão de padeiro, farto de salame. Alergia, comichão medonha e, despertar com a pele toda empolada na manhã seguinte, não eram impedimentos. Saboreá-lo era infinitamente delicioso. Prazer permitido somente a cada fim de mês, quando papai recebia seu salário de metalúrgico e podia fazer algumas extravagâncias. No restante do mês era pão com banha, salvo quando chegava visita, aí era pão com gemada. Sem contar que pela manhã, geralmente, ao invés do pão, era apenas farinha de milho para engrossar nosso café preto. Pobre mãe, acordava cedinho, para torrar a farinha no velho fogão de lenha. Café saudável sem conservantes e sem corantes. A gurizada crescia forte e robusta!
Haviam ainda outros gostos naquele tempo... O puxa-puxa dos caquis, dos pêssegos ou das bergamotas verdes. Estas então, com seu cheiro inconfundível, denunciavam sempre a travessura da gente. Mas, há outro gosto inesquecível de minha infância, um gosto doce que ainda amarga minha boca ao recordá-lo. O ritual dos sábados à tarde, meu avô e a doma de cavalos. Subitamente caía a máscara de bom velhinho e vovô se transformava em monstro. Quanto maior a rebeldia ao cabresto, mais chicotadas, mais insultos e o cruel ritual da doma demorava uma eternidade para acabar.
Penso que desde então, rebelar-me contra qualquer tipo de dominação, foi a lição que aprendi com as marcas de açoite no lombo dos animais e, em minha boca o amargo gosto de doce. Ainda hoje, sinto aquele gosto quando tomo um susto ou sinto medo. Talvez tenha algo a ver com adrenalina. Ao certo nunca investiguei, mas o certo é que para mim, medo não tem apenas imagem de bicho papão, tem disfarce, tem cheiro, tem um gosto traiçoeiro que adoça para prender e amarga para libertar.