12 DE JUNHO, DIA DE SANTO ANTÔNIO E DIA DOS NAMORADOS.
Dia 12 de junho, outono brasileiro. A chuva fria trouxe o frio a pequena e pacata Santa Rita do Aguaí. A praça da matriz decorada com bandeirinhas de festa junina. As barracas montadas pela prefeitura, a espera da tradicional quadrilha e das comidas típicas. Muita pipoca, quentão, pamonha, cuscuz, quebra queixo, paçoquinha, milho verde, canjica, vinho quente, maçã do amor, churrasco, frango assado, pinhão, etc. A barraca do beijo, da toca do coelho, das argolas, a cadeia, correio elegante, balões coloridos. A quermesse, o bingo, os prêmios concorridos. O pau de sebo no centro da praça, com o prêmio em dinheiro lá no alto. -"Padre Arlindo, a perua da padaria chegou." Gritou a cozinheira da casa paroquial. O padre garotão, com apenas um ano de ordenação sacerdotal, fechou o Facebook e foi até a sala de estar. -"Obrigado, Zenaide. Hoje é dia de Santo Antônio, dia de benzer os pãezinhos pra missa das seis." A mulher abriu o portão e recebeu o entregador da padaria. -"Mil e duzentos pãezinhos, tudo embalado." O motorista e o entregador foram ajudados pelo padre e pela cozinheira pois eram muitos pães. A mesa ficou pequena pra tantos pãezinhos. -"Minha esposa está com minha sogra, doente no hospital, seu padre. Tenho que trabalhar até às oito da noite, não poderei vir a missa pegar um pãozinho bento. Elas ficariam felizes se eu levasse um pãozinho de Santo Antônio pra elas." A cozinheira olhou para o padre boa pinta, sósia do padre Fábio de Melo. -"Posso benzer todos os pães agora, embora esteja cedo. Você pega alguns e os leva pra sua família." O motorista beijou a mão do padre. -"Mesmo?! Muito obrigado, padre." O ajudante da padaria se manifestou. -"Dizem que esse pãozinho faz arrumar namorada? Vou querer um." Todos riram. -"Santo Antônio é o santo casamenteiro. Segundo a tradição, o pãozinho de Santo Antônio faz milagre, arruma namorado ou namorada, desencalha muita gente, sim." Explicou o padre. O carro da padaria se foi. O padre foi até a praça, conferir os detalhes pra festa. Andou por todas as barracas, dando suporte, botando a mão na massa e trabalhando. Pegou o carro e foi até a cidade vizinha comprar cestos de palha para os pãezinhos. A visita do bispo, uma conversa com o prefeito e vereadores, os microfones do palco com defeito, uma dupla sertaneja que deu bolo, uma emergência aqui e alí. As horas passando, o padre esqueceu de almoçar. -"Tanta comida nas barracas, Zenaide. Tanta coisa pra resolver que nem me dei conta." Ele sentou-se. A agenda e o celular na mesa. -"Saco vazio não pára em pé, padre. Quer que esquente a macarronada ou vai querer um lanche?" Ele se levantou. -"Faz um lanche rápido, por favor. Tem geléia de damasco? Vou tomar uma ducha e já venho. " Tempo depois, o padre sorriu ao ver a mesa pronta. O cheiro bom de café fresquinho, queijo de Minas, um bolo de milho e lanchinhos de pães com geléia. -"Pode ir pra sua casa, Zenaide. Muito obrigado pelo lanche." Ela sorriu. -"Está certo. A gente se vê na missa." -"E na festa também, após a missa. Vou sentar um pouco na mesa da sua família, comprarei algodão doce pras suas crianças." Após o lanche, o padre preparou o sermão da missa da noite. Ele cochilou por pouco tempo, na poltrona da sala. O celular tocou. -"Padre Arlindo? É a Das Dores. A máquina de frango, da barraca da pastoral da família, deu defeito. Tem que trocar a tomada." -"Chama o Chico, o sacristão!" -"Ele foi atrás de um outro fogão pra feijoada, lembra? Até agora não voltou." O padre fechou a casa paroquial e foi até a praça. O bingo. A tarde caindo. -"Cadê os ministros? Gente, tem que levar os cestos de pães pra igreja." Vitório chamou outros ministros para o ajudarem. -"O senhor já benzeu todos os pães, padre?" O vigário parecia perdido. -"O que? Ah, sim. Fiz de manhã, quando a padaria entregou e... será que a Zenaide pegou deles para o lanche da tarde?!" O ministro riu e não segurou a piada. -"Se o padre comeu do pão de Santo Antônio, vai arrumar namorada." -"Ah, tá! Só funciona pra solteirão, encalhadas, viúvas. Não faz efeito em padres, Vitório." Ele chegou dez minutos antes da missa. A igreja lotada. Os coroinhas a postos. Uma hora e meia de celebração. O padre circulou na festa, após a missa. -"O padre toma uma cervejinha?" Perguntou o esposo de Zenaide. -"Uma só não, Tião." O padre sussurrou pra sua cozinheira. -"Aqueles pãezinhos com geléia, deliciosos por sinal. Zenaide, você não usou os pães de Santo Antônio, usou?" Ela riu. -"Peguei sim. Estavam fresquinhos e lindos. Não podia pegar, era?" O padre fez cara de preocupação. -"Não, tudo bem. Estavam bentos e espero que não faça efeito pois comi uns cinco deles." Zenaide riu. -"Agora é tarde mas o padre já é casado com a igreja." O vigário se levantou. -"Vou buscar algodão doce pra esses pestinhas." Andando entre a multidão que assistia o show sertanejo, o padre esbarrou numa moça. Ele a segurou. -"Perdão, moça." Eles se olharam. -"Então já conheceu minha filha, Divina. Ela mora em Porto Alegre, padre." Era o coronel Almeida, o fazendeiro mais rico da região. O padre estendeu a mão pra moça. -"Padre Arlindo." Ela segurou a mão dele. -"Delegada Divina. Arlindo combina muito com o padre. Uma linda celebração." Ele corou. Após dez minutos de prosa com o fazendeiro, o padre se despediu do coronel. Divina não tirava os olhos dele. -"Aí sim, padre. Tá na fila do curau. Não precisa pagar." O padre olhou sério pra mulher no balcão. -"Inês? Mas eu não vim pegar curau. É algodão doce." A imagem de Divina não saía da sua mente. -"Rapaz, o pãozinho de Santo Antônio faz efeito mesmo. Eu, einh?!" Ele saiu desnorteado até a barraca dos Vicentinos, onde tinha um carrinho de algodão doce. Os filhos de Zenaide adoraram os mimos do padre, que ganhou abraços. O vigário visitou todas as barracas. Ele saboreava um churrasco, com alguns rapazes da pastoral da Juventude, quando foi abordado. -"Padre Arlindo. Está preso, vem com a gente." Ele riu e protestou. -"Não posso ir preso, Soraya. Sou o padre." A delegada da quadrilha junina foi incisiva. -"O padre da quadrilha da festa junina é outro, o Guilherme. A delegada sou eu, tenho autoridade e alguém pediu pra lhe prender. Vai ficar dez minutos na cadeia." O padre ergueu as mãos. -"Está bão, uai. Fazer o quê?" O padre foi levado, entre risos e vaias, até a área da cadeia, atrás do palco. -"Fui impedido de comer churrasco, preso e tenho que aturar o som alto do palco. Que mico! Isso é coisa do Pedro, da secretaria, não foi? Quem mandou me prender, Soraya?! Não vai ficar assim." O padre queria vingança. -"Só cumpro ordens, padre. Um garoto me pagou pra prender o senhor e me deu um bilhete. Pague dez reais pela liberdade ou fique aí por dez minutos. É a regra." A moça colocou o bilhete na mão do vigário. -"Vou pagar pra sair daqui pois sei que é pra colaborar com a reforma da creche, tá?" Soraya pegou o dinheiro e liberou o padre. -"Muito obrigado, moço. Tá solto." Três dias depois, Zenaide recolhia as roupas pra enviar a lavanderia. -"Padre Arlindo. Encontrei moedas no bolso de sua calça jeans, entre as roupas sujas pra lavanderia. Tinha um papel, só com um número de telefone, também." O sacerdote estranhou. -"Muito obrigado. Não me lembro desse bilhete, desse número." Ele foi aí escritório e resolveu ligar para aquele número. -"Padre Arlindo, boa tarde. Achei esse bilhete comigo, não sei de quem é esse número." Um breve silêncio. -"Terceiro distrito, delegada Divina." Ele se ajeitou na cadeira. -"Achei quem mandou me prender." Ele sorriu. -"Temos muitas celas aqui. Não quer conhecer?" Ele ficou sem resposta. -"A comida é boa?" -"Péssima mas tem um restaurante muito bom, aqui em frente." -"Isso é um convite?" -"Certamente. Posso mandar uma viatura, se quiser." O padre gaguejou. -"Não precisa." Ela passou o endereço a ele. Eles se encontraram uma semana depois. Um almoço e muita conversa. O casal não foi além de mãos dadas. Arlindo foi até a cúria e expôs ao bispo sua decisão de deixar o sacerdócio. A notícia caiu como uma bomba na comunidade. O padre se despediu de todos os fiéis. -"Agora posso abraçar o senhor?" Disse Zenaide, emocionada. Divina e Arlindo resolveram morar juntos, um mês depois. Um ano depois, Zenaide foi até o quintal, onde o velho padre Eustáquio cuidava da horta. -"Chegaram os pães pra missa de Santo Antônio, padre Eustáquio. A Kombi da padaria chegou." Logo depois, o padre reservou seis pãezinhos. -"Esses pães vou comer depois, estão sem a bênção de Santo Antônio. Eles fazem efeito!" Zenaide riu. -"Além do que, estou muito velho pra casar." FIM