ATUM PARA O IMPERADOR

Logo que terminou a guerra, eu arranjei um sócio para pescar atum e vender para quem ainda tinham dinheiro para pagar.

- E esse peixe dá dinheiro, seu Olegário.

- Dá, e dá muito, Marcolino, porque é peixe nobre que só gente com muito dinheiro tem condições de comprar.

- É mesmo. Uma latinha de nada custa os olhos da cara, né não?

- Pois é para você ver como ainda hoje é difícil arranjar comprador que esteja estribado.

- Aí o senhor pescou muito, foi?

- Nós tínhamos dois lagosteiros devidamente equipados e com pessoal treinado na pesca da lagosta, mas quem pesca lagosta, pesca atum sem nenhum problema. Com pouco tempo já tínhamos uma carga bem grande de peixe, mas sem ter encontrado ninguém para comprar.

Atum é peixe que não serve para secar feito bacalhau, é melhor consumir ele fresco e para conservar o gosto, tem que ser congelado.

Eu sempre soube que o atum é muito consumido no Japão, porque o povo de lá tem a mania de comer peixe cru e eles dão um quarto da vida ao diabo para conseguir peixe que preste, mas a maioria dos barcos deles tinha sido destruído durante a guerra.

Aí eu fui falar com o cônsul do Japão no Recife, que era meu amigo e companheiro de muitas pescarias memoráveis.

Ele então me disse que o Imperador estava tendo muita dificuldade para comprar atum, para ele e para a família imperial toda.

Então eu disse, óxente, isso é coisa para se resolver agora mesmo. Eu tenho uma carga boa de atum pescado nem faz um mês, está tudo congelado direitinho, só precisa arranjar um navio para mandar. Mas aí é que estava o problema. Ninguém queria ir para o mar do Japão, porque estava todo cheio de bombas que não tinham explodido e se uma mina daquelas batesse no navio cargueiro, ia tudo para o fundo do mar e ainda tinha que resolver com os Estados Unidos, o problema do embargo feito contra eles.

Aí eu fui falar com o cônsul americano para arranjar um cargueiro e a licença para mandar os peixes para lá.

O galego cheio de má vontade, arranjou tudo quanto foi de empecilho para impedir que a carga fosse enviada para o Imperador.

Mas eu, como macaco velho, sabedor das portas travessas das relações internacionais, telefonei para o embaixador dos Estrados Unidos da época, lá no Rio de Janeiro, que ficou meu amigo quando dei de presenta a ele uma carrada de queijo, quando ele mais a mulher, que estavam conhecendo Pernambuco, ficaram hospedados por três dias lá em casa, porque a mulher dele estava com uma caganeira de lascar por causa das comidas fortes daqui e foi Maria quem socorreu ela com aqueles chás de ervas que só ela sabe preparar.

Durante a conversa, ele quis botar panos quentes nas falas do cônsul, mas aí eu pedi a ele que fizesse esse favor, que não ia custar nada a ele, mas que ia ser um agrado para o Imperador que, coitado, estava numa situação vexatória porque tinha perdido a guerra.

Mas aí ele se lembrou do favor que me devia quando a mulher dele estava passando mal e então disse que eu aguardasse, que no dia seguinte me dava a resposta.

No outro dia, recebi o telegrama dele dizendo que o cruzador americano que estava ancorado em Natal, vinha para o Recife buscar a carga e que eu podia embarcar quanto quisesse que seria entregue sem nenhum custo, nem para mim nem para o Japão.

Fiquei muito agradecido pela fineza desse homem compreensivo e mandei tudo o que tinha no estoque.

O comandante do cruzador até me perguntou se eu queria ir com eles para fazer a entrega, mas eu disse que não podia deixar os negócios na mão do sócio, porque era muito trabalho para um homem só.

O fato é que, o Imperador ficou tão satisfeito com o presente que me mandou um quadro de seda pintado por um artista dos anos mil setecentos e tanto.

- E o senhor ainda tem esse quadro, seu Olegário?

- Não tenho mais não, porque a traça roeu ele todo...

GLOSSÁRIO

Atum = Thunnus atlanticus

Cruzador = barco de guerra

Estribado = gíria em Pernambuco para rico, cheiro de dinheiro.

Lagosteiro = tipo de traineira comum no Nordeste Brasileiro

Portas travessas = fazer algo sem clareza