GRANDE PESCARIA

Marcolino pegou o livro, propositalmente esquecido no assento da cadeira, e falou em voz alta antes que seu Olegário saísse do bilhar:

- Oh! Seu Olegário, o senhor esqueceu o livro.

- É coisa de cabeça de velho que já não tem mais a vivacidade dos velhos tempos.

- O-di-sse-ia? Que nome esquisito para se botar num livro!

- É porque se trata de um poema escrito muito antes do nascimento de nosso senhor Jesus Cristo, contando as coisas que aconteceram quando Ulisses estava voltando para casa depois da guerra de Tróia...

Abrindo o livro, Marcolino leu a dedicatória em voz alta:

Ao amigo Olegário, com a admiração de quem, por ser testemunha ocular de grande parte das suas façanhas, tem a certeza de que se trata da reencarnação do herói Odisseu, rei de Ítaca, decantado em verso pelo grande poeta Homero.

Óxente! É Ulisses ou Odisseu? E como é que as coisas que o senhor faz é igual as dele, se ele viveu muito tempo antes de nós?

- Olhe esse menino, Odisseu na língua dos gregos é o mesmo que Ulisses na língua dos brasileiros. E apesar do tempo passado, os homens machos de verdade gostam de se aventurar para parecer mais fortes que os outros e se metem nas mesmas enrascadas. Não que eu tenha feito isso, mas é a coisa mais comum do mundo o cabra querer o primeiro lugar em tudo, ter a medalha de ouro, conquistar a boyzinha mais bonita. E esse meu amigo diz isso comigo porque eu consegui vencer a briga com o maior peixe que eu já vi em toda minha vida, numa pescaria que fomos fazer juntos lá para as bandas de Fernando de Noronha.

- Eu vou buscar uma cerveja para o senhor poder me contar essa história antes de ir embora.

Outra vez sentado em sua mesa favorita, seu Olegário com a cabeça inclinada para trás, olhos semicerrados como quem busca imagens do passado perdidas nas brumas do tempo narrou, com a voz pausada dos menestréis quinhentistas, a saga da grande pescaria.

- O mar estava estranhamente calmo e esse amigo que me deu o livro estava dizendo que a calmaria do tempo estava parecida com o mar quando Ulisses foi parar na ilha do ciclope Polífemo, porque no entorno de Fernando de Noronha não falta peixe grande que vem comer os pequenos, mas parecia que eles não estavam vendo as iscas vivas presas nos anzóis das nossas linhas dentro d’água.

Quando ele falou isso, meu molinete cantou feito uma cigarra em fim de verão. Travei a carretilha e o tranco foi tão grande que eu quase fui arrastado para fora do barco.

Era um marlim azul, grandalhão, a barbatana das costas dele parecia vela de jangada de tão grande que era, também para um peixe que pesou setecentos e setenta e sete quilos e meio e media sete metros e setenta e sete centímetros, não podia ser menor não.

Foram quase dois dias pelejando com o bicho, mas aí eu lembrei que Ulisses para poder matar o gigante Polífemo furou o único olho dele com a clava pegando fogo. Mandei esse meu amigo botar o cabo do remo no fogo até ficar em brasa e puxando o peixe para junto do barco queimei os dois olhos dele, aí ele perdeu as forças e pudemos rebocá-lo até a praia. Foi preciso amarrar uma corda num jipe para arrastar ele para fora d’água.

Nesse dia todo mundo na ilha comeu peixe de primeira sem ter que gastar um centavo sequer.

- Mas me diga uma coisa, seu Olegário, quem era esse tal de ciclope Polífemo?

- Marcolino meu filho, eu vou deixar o livro para você ler e ver como Ulisses era cabra bom para resolver problema. A melhor parte é com o cavalo que ele inventou. Mas eu não me lembro se essa parte está neste livro ou está no outro...

Cabeça de velho é mesmo uma porcaria!