FREIO DE AVIÃO
Marcolino trouxe copo limpo e a terceira garrafa de cerveja. Serviu com espuma alta, como seu Olegário gosta. Puxou o tamborete de debaixo da mesa, sentou-se e fazendo cara de maior inocência, perguntou:
- Seu Olegário, o senhor ouviu falar no acidente com o avião da fazenda Machado?
- Ouvi e lhe garanto que só aconteceu porque eu não estava lá.
- Avião grande eu sei que o senhor sabe, mas sabe também dirigir aqueles bichinhos de nada. (*)
- Meu filho, aquilo para mim é café pequeno, não tem segredo não, é mais fácil de controlar do que jipe na buraqueira de fim de inverno. Olhe, faz mais de trinta anos que eu estava no Mato Grosso, porque tinha ido fechar negócio com o gado que eu ia comprar mais o finado coronel Altino. A ideia era comprar quinhentas cabeças para receber em cinco lotes. Mas há certas coisas que só se resolve na presença. O cabra tem que estar presente, porque não é só a fala que importa, mas como ela é falada, porque as cascas de banana a gente descobre na entonação da voz.
- Eu gosto de conversar com o senhor, porque o senhor é muito sabido, né não?
- São os muitos anos na lida que me ensinaram a ficar “véiaco” no trato com gente que mal se conhece.
- Mas aí o que foi que aconteceu com o avião.
- Você sabe que no Mato Grosso tudo é muito grande, tudo muito longe, as fazendas são de se perder de vista de tão grandes que são. Aí o pessoal de lá em vez de ter carro, jipe ou caminhonete, tem avião. Desses pequenos com poucos lugares, toda fazenda tem pista de pouso e todo mundo sabe pilotar embora nem todos tenham a carteira de motorista de avião. Quando eu cheguei na fazenda desse conhecido que era o encarregado de despachar o gado, ele estava noutra fazenda, participando do batizado do menino do compadre dele que tinha mandado matar um boi para fazer churrasco para aquele mundão de dente. Você sabe que eu gosto muito de churrasco e não podia perder a oportunidade de experimentar a carne do tipo de boi que ia comprar. Podia garantir para meus compradores a boa qualidade da carne do bicho que eu ia vender. Aí perguntei ao capataz como era que eu fazia para chegar na festa, ele me entregou a chave do avião e disse é só seguir na direção do pôr do sol que não tem como o senhor errar não, daqui para lá, deve dar uma meia hora e como a fazenda está toda enfeitada, dá para ver lá de cima, não tem erro não. O avião era desses de seis lugares, bom demais de se dirigir, parecia uma belina, macio, largo espaçoso. Virei a chave, ele pagou na hora, aprumei a venta na direção do sol e fiquei apreciando a paisagem, mata rala, água como todos os diabos, pastos bem cuidados, boiadas a perder de vista... de repente lá estava a fazenda, toda enfeitada como o capataz tinha dito, devia ter uns vinte aviões parados na beira da pista, baixei a venta do meu e estava aprumado para pegar a pista, quando faltavam uns trinta metros para o pouso um cabra bêbado levantou voo na minha direção. Danei o dedo na buzina e puxei o freio de mão. Os pneus cantaram no ar, o cabra assustado desviou para dentro do mato e por causa da parada assim, imediata, ficou aquela catinga de borracha queimada enquanto durou a festa. Como já estava parado mesmo, foi só deixar o avião descer na vertical. Nem me preocupei de usar a pista.
Todo mundo veio me cumprimentar pelo que eles estavam dizendo que era façanha, mas uma tolice dessas qualquer cabra experimentado é capaz de fazer, basta manter o sangue frio, não é bicho de sete cabeças não...
Glossário:
(*) O conto AIRBUS A380 = narra outra façanha aérea do seu Olegário.
Belina = Automóvel Ford, tipo Station Wagon médio, 1970/91
Véiaco = esperto, no contexto. Velhaco = enganador