A cigana

E na feirinha encontrei uma cigana. A cigana. (Oxe, esses ciganos andarilhos não estavam em extinção?) Ela, uma cigana típica, daquelas que perambulavam antigamente por aqui - no Nordeste. Maltrapilha, cabelo desgrenhado, vestido comprido surrado pelo tempo e descalça. Olhou-me de cima a baixo e falou:

-- Vai deixar eu ler a tua mão hoje?

Eita, como ela lembrou-se de mim? há uns dois anos a encontrei na padaria, me abordou e falou:

-- Moço bonito! (quando algum desconhecido, ou desconhecida, te chama de "moço bonito" ou quer te sacanear ou te roubar). "Moço bonito, me dê dez reais que eu leio a tua mão".

Olhei bem para ela e falei:

-- Pois se a senhora me der UM REAL eu leio a tua.

Essa cigana baixou a cabeça resmungando e me rogando pragas. Deve ter sido em línguas estranhas pois não entendi nada.

-- Senhora, praga de cavalo magro não pega em cavalo gordo.

Então ela calou-se, me lançou um olhar fulminante e foi embora ainda resmungando.

Eis que depois de tanto tempo a encontro e, puta merda, ela lembrou-se de mim.

-- Vai deixar eu ler a tua mão hoje?

-- Minha senhora! não acredito na senhora, não acredito em quiromancia, não acredito nas linhas mentirosas das minhas mãos, não acredito em horóscopos, não acredito em cartas de baralhos e tampouco quero saber o que vai acontecer comigo nas próximas horas, nos próximos dias, em algum futuro ou provável reencarnação.

Que figura nefasta! Toda minha descrença não foi bastante para mim nem para ela. Dessa vez ela não me fuzilou com o olhar, vomitou um sorriso sarcástico e foi embora sem olhar para trás.

Luiz Dezenove
Enviado por Luiz Dezenove em 04/02/2023
Código do texto: T7711129
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