O REVOAR DA CORUJA 

A chuva bate suavemente na vidraça da minha janela, nesta tarde fria de inverno. O pôr do sol, entre nuvens, deslumbra por detrás da colina, onde reluzem as cores do arco-íris que desponta no horizonte. Do quarto, escuto o barulho das águas da cheia do riacho que descem velozes por entre os arbustos, vindas das cabeceiras. O terreiro de barro vermelho encharcado e escorregadio. O céu encoberto de nuvens escuras. A brisa chega trazida pelo vento que vem de encontro à minha face. Absorta, vou ao fundo das minhas lembranças e, retorno no tempo da longínqua infância, dos banhos de riacho, onde, por diversas vezes, desci perigosamente naqueles turbilhões de água com irmãos e a meninada da vizinhança. Era simplesmente maravilhoso, a água límpida deixava transparecer nossos corpos já arroxeados pelo frio e as rochas que faziam o redemoinho das águas provocavam nossas quedas e alguns arranhões por todo o corpo, causados pela areia grossa do fundo do riacho. De volta, seguíamos por uma estrada de difícil acesso, onde passavam caminhões carregados de frutas, rapaduras e outros produtos agrícolas, vindos de um município  vizinho, para venda na feira semanal da minha pequena cidade. Às vezes, no rigor do inverno, o trajeto era interrompido por muitas horas, pois o velho caminhão ficava preso nos atoleiros. Para nós, crianças, era um acontecimento que despertava a nossa curiosidade pelo movimento dos homens, na tentativa de tirar o carro daquela situação vexatória. No caminho, encontrava minha mãe, muito aflita, à procura das ovelhas com crias recém-nascidas, para salvá-las das enchentes. Buscava também a vaca de bezerro novo, que ainda não tinha retornado do pasto. Tudo aquilo se constituía em grande aventura e perigo em adentrar na mata fechada para encontrá-los. Na penumbra do anoitecer, com a missão cumprida, o retorno para casa, onde meu pai, já agoniado, esperava seus animais para colocá-los no cercado, onde pernoitavam com mais segurança. No alpendre, muitos animais recolhidos devido à umidade do tempo. O candeeiro aceso sobre a mesa da sala iluminava o espaço em que era servida a farta ceia, em que não faltava o tradicional cuscus de milho novo, feito em panela de barro, envolto em pano de prato, preparado no fogão a lenha e, a suculenta coalhada de leite puro. Em seguida, a hora de armar nossas velhas redes no salão da casa para mais tarde deitar e usufruir do sono tranquilo de uma noite embalada pela sinfonia dos sapos nas águas próximas da casa, para amenizar o cansaço das travessuras do dia. Após escutar as bonitas histórias de trancoso do meu pai, cada um se dirigia ao repouso merecido. Os pingos da chuva no telhado deixava a noite mais encantadora. No silêncio, eu escutava apenas as batidas do meu pequenino coração. O revoar da coruja fez-me voltar feliz das minhas memórias ao reviver aqueles inesquecíveis momentos e acalentar a infinita saudade de uma infância bem vivida.

Maria de Fátima Fontenele Lopes