Um VELHO AMIGO CHAMADO GALDÊNCIO

UM VELHO AMIGO, CHAMADO GALDÊNCIO

Encontrei o Galdêncio, um velho amigo de muitas andanças e paradas em botecos pra jogar uma caxetinha, em busca de alguns trocados e, jogar conversas fora, pra matar às horas sobradas do dia.

Tive um bom tempo afastado da Vila, e muita coisa mudou com minha ausência: os meninos já estavam rapazolas! Só reconheci o Galdêncio, por causa do mesmo boné surrado que ele sempre usava na sua modesta cachola, e acho, que nem pra dormir ele tirava. Na verdade verdadeira, foi o Galdêncio que me encontrou. Eu vinha à alguns dias deprimido, por conta de um amor perdido, e resolvi dar um pulo no bar do Amarildo pra tomar umas cervejinhas e esquecer por um momento aquela angústia toda do peito. Desde quando o conheci: e olha, que vem de longas datas nossa amizade, Galdêncio sempre foi mascate. Ia passando à frente do boteco com seus trecos todos às costas, quando eu ouvi lá de fora: - Joãozinho!!! Me virei, reconhecendo-o, de imediato pela voz. – Quanto tempo meu amigo – você sumiu! Galdêncio apeou de suas bugigangas sobre uma banqueta ao lado, e nos abraçamos selando a velha e boa amizade,respondendo a ele: – Eu estou bem, meu velho companheiro – estive esses anos todos fora –em outra cidade –mas já estou de volta de vez – e você, como está? Galdêncio respondeu que estava bem, mas um pouco cansado da lida. Percebi os traços da vida dura, talhados em seu semblante, e ele num sorriso afetuoso me disse: – Eita Joãozinho – você não muda –ta sempre o mesmo – o tempo pra você não passa! Retribuí o sorriso e novamente, nos abraçamos num expressar de carinho, pela nossa afinidade. Galdêncio não bebia; pelo menos nunca o vi bebendo com um copo de cerveja ou outros destilados, em todas as nossas andanças e paradas, a não ser, com uma garrafinha térmica com água, que ele sempre carregava dentro de seu alforge de couro legítimo, afivelado à uma das pernas. Conversamos um pouco sobre tudo, e, logo, Galdêncio me fazia lembrar dos então também, velhos amigos. – Rapaz, você se lembra do Dito preto – aquele que matava passarinho e jogava na rua? – morreu!– começou a usar drogas e foi morto na favela. Espantado falei: –Nossa, cara!– E do Luizinho marido da Zenaide – você se lembra? – respondi: – Claro – estudamos juntos na mesma classe – ele sabia que eu era vidrado pela Soninha, professora de português. – Então rapaz, falou ele:–Morreu também – enfartou dormindo – muita cachaça! Fiz cara de espanto enquanto ele prosseguia:– O Tuti, você lembra do Tuti?– morreu –se amigou com um cara e foram morar os dois lá em Santos – o cara picou ele na faca, por causa de ciúmes. Eu já começava a me arrepiar, enquanto ele continuava:– E do Paulinho padeiro – você lembra? – respondi: – sim, como não? –Jogamos bola juntos – era goleiro no time da Vila–por sinal, bom goleiro – só não levou sorte nas peneiras dos clubes grandes. E ele: – Então… – morreu também – só que foi de covid – abusou da sorte, e não usava máscara. Fiquei olhando seus olhos, entusiasmados por me dar as notícias dos falecidos amigos, enquanto ele vinha com mais uma, e mandou: – A Yeda – essa eu tenho certeza que você se lembra direitinho... Me olhou com olhos arregalados de sacanagem, e eu, também sorri numa expressão sacana, suspirando alto, e falei: –Ah! a Yedinha... – como esquecer a Yeda!!! –filha do Zé guarda, e irmã do Herques e do Zunguinha – o Herques queria me matar! (Sorri) –o que houve com ela – morreu? Perguntei assustado. – Não – ela não morreu. Suspirei aliviado esperando uma notícia boa da Yeda –nossa, que bom! Ele: – Matou o marido pra fugir com outro – pegou trinta anos de cadeia. Eu já tava quase vomitando os salgadinhos com as cervejas que eu havia ingerido, quando ele resolveu se despedir: –joãozinho, tô indo aí cobrar uns freguês, foi um prazer te encontrar – já que você tá vindo de vez, a gente vai ter mais tempo pra jogar conversa fora. Me despedi aliviado do amigo Galdêncio, mas sem o mesmo entusiasmo do momento que nos encontramos. Deixei a cerveja pela metade, e fui comprar passagens, decidido a esquecer de vez a minha querida Vila, pra retornar à cidade que me acolheu tão bem, como sendo um filho do seu coração.

De: Rodrigues Paz

(Autor)

Rodrigues Paz
Enviado por Rodrigues Paz em 10/10/2022
Código do texto: T7624547
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