É louco o louco?

Queria, porque queria, o filho, um vagabundo de marca maior, aos quarenta e oito anos de idade, pôr as mãos na fortuna de seu octogenário pai, homem já a exibir debilidade física, e, para a infelicidade do amado filho, lucidez admirável. Roía-de de ódio o filho, que tinha olhos só para a fortuna de seu pai, viúvo havia dois anos, e que, parcimonioso - e não mão-de-vaca, segundo o filho, que o desprezava -, conservava bem abrigado o patrimônio que havia acumulado durante mais de setenta anos de labuta diária. Nem sempre os ditados "Filho de peixe peixinho é." e "Tal pai, tal filho." estão certos. Mas como iria pôr o filho as mãos na fortuna de seu pai? Pensou, pensou, e pensou, durante um, dois, três, quatro dias, até que "Eureka!". Encontrou a solução para o problema que tanto o perturbava: iria até um psicológo, e há alguns por aí que não se vexam de ganhar um dinheirinho extra, e lhe proporia uma irmandade: ele, usando de seus conhecimentos de id, ego e superego e de outras figurinhas encontradiças na mente humana, inventaria um diagnóstico da condição do valetudinário, dando-o como incapaz de responder por si mesmo, e assim transfeririam a responsabilidade pela administração da fortuna do velho ao filho, e este dela faria o uso que desejasse. Era tiro, e queda. Providenciaram o filho e o psicólogo todos os laudos psiquiátricos, todos os documentos pessoais, todos os exames médicos, sem esquecer de nenhum, e agendaram uma assembléia com o juiz.

No dia aprazado ao tribunal compareceram o psicólogo, o filho e o ancião, este devidamente paramentado, isto é, com os cabelos despenteados, as unhas mal aparadas, brincos nas orelhas, batom nos lábios, olhar assustadiço (devido aos cachorros que o filho e o psicólogo lhe haviam soltado, minutos antes, em cima). Era o homem de oito décadas de vida um louco, um doido varrido, um maluco de primeira, um débil mental, ninguém haveria de negar. Parecia qualquer coisa, menos um homem, e menos ainda um homem de posse de suas faculdades mentais. O juiz, no entanto, sabe-se lá porque, coçou o cocoruto, uma pulga a atazanar-lhe a consciência, e matutou: "Há coelho neste mato." Alternou seu olhar entre o pai, o filho e o psicólogo, coçou o nariz, e tirou de um dos bolsos internos das suas vestes veneráveis uma carteira, e da carteira uma nota de R$ 100,00 e esta ele a entregou ao ancião, que tirou-lha, com toda a calma do mundo, da mão, dobrou-a cuidadosamente, e a abrigou, carinhosamente, em uma carteira que tirara do bolso da calça. Diante de tal cena, o juiz exclamou a plenos pulmões: "Louco?!?! Louco?!?! Velho louco?!?! Loucos são vocês, dois salafrários, que pensaram que poderiam me ludibriar!"

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 28/08/2022
Código do texto: T7592812
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