Fosforescência...?

Assim que saiu sua aposentadoria aos cinquenta anos, com trinta e cinco dos quais na fábrica de tecidos, papai se voltou para o serviço doméstico, de casa e quintal, quase que completamente. As suas saídas se limitaram às idas à igreja e às compras de mantimentos...praticamente diárias, umas e outras.

E malgrado a lufa-lufa, com que se comprazia, e as costuras que também produzia, sentiu que com o acúmulo dos anos, as gorduras abdominais, vinham-se lhes seguindo. E esse quadro ganhava cores mais vivas na analogia com tio Antônio, irmão solteirão e vizinho, quase cinco anos mais velho, também de hábitos regrados, mas de bem menos quilos acumulados.

Duma certa feita, papai resolveu então procurar emagrecimento na fisioterapia. E voltou um tanto desapontado, porém cheio de fé, de sua primeira sessão: a terapeuta havia-lhe prescrito exercitar-se por meio da derrubada de todos os palitos de uma caixinha de fósforos e se abaixar para catar um de cada vez. Quarenta e cinco palitos, em média, o rótulo da caixinha assim se garantia, para o caso em que houvesse eventual variação...

E papai começou a se envolver com essa rotina, cuja evolução não pude acompanhar no seu dia a dia, por morar fora de Pitangui, nosso ah bem suado torrão natal. Mas surpresa não faltou, quando coisa de dois meses depois reencontrei papai

com a mesma parrudez com que o deixara. E lhe perguntei sobre os fósforos... e sua resposta, sempre acesa, surgiu com um sorriso:

- Comprei um isqueiro...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 17/05/2022
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