O MORTO QUE NÃO MORREU
O cemitério daquela pacata cidade interiorana, retirado a quase dois quilômetros, era um lugar ermo e desértico, os causos de almas penadas vagando entre os túmulos nos limites da velha cerca de balaústres caiados não eram poucas haja visto a fértil imaginação dos matutos da região.
Surpreendentemente e para corroborar com estes relatos, aparece um andarilho na cidade que escolhe justamente habitar em uma capela abandonada do cemitério, algo macabro porem um gesto de coragem do pobre pedinte que ninguém sabia a origem e ele mesmo parecia não recordar ou dar importância para o seu passado, quando algum curioso o interrogava, ele ficava nervoso e se evadia bruscamente do local, procurando refúgio na morada escolhida: a velha capelinha do cemitério
As autoridade locais, com o propósito de zelar pela integridade das mulheres que frequentavam o local para cuidar dos sepulcros de seus entes queridos, tentaram de certa forma interditar a sua estadia no cemitério porem foi tudo em vão, parece que algo mais forte fixava aquele homem ali e com isso não demorou muito tempo para surgirem as mais mirabolantes histórias sobre a existência do pobre homem, partindo dos extremos, indo de um perigoso bandido foragido da polícia até a categoria de um anjo enviado por deus para salvar a humanidade pecadora do lugarejo, assim, entre boatos e fofocas, o tempo foi passando.
Era mês de novembro, mais precisamente no dia dos fieis defuntos ou finados, dia em que o povo mantinha a fiel tradição de ir o cemitério para a visita anual aos túmulos de seus parentes e amigos que, como diziam, já haviam passado desta para a melhor. Como fracassaram as tentativas de expulsar o mendigo do cemitério, lá estava ele, maltrapilho e barbudo perambulando por entre os túmulos e seus visitantes, uma cena lastimável porem real, ele não perturbava ninguém e tudo corria de forma pacifica até que uma jovem acompanhada de seu namoradinho pararam em frente a capela onde o mendigo costumava pernoitar, inexplicavelmente ele se aproxima da jovem bruscamente como se a conhecesse muito bem e quisesse falar alguma coisa, talvez lampejos de uma mente demente, no entanto na intensão de defender a moça, foi rudemente empurrado pelo rapaz que a acompanhava e, desequilibrado caiu e bateu fortemente a cabeça numa lápide e perdendo os sentidos.
A moça deu um grito e a multidão se ajuntou ao redor do homem que jazia no chão inerte entre a poça de sangue que jorrara devido a uma ferida corto contusa na cabeça provocado pelo atrito com uma pedra. A moça em prantos criticava o rapaz pela atitude grosseira, as opiniões sobre o ocorrido e o estado de saúde homem tambem divergiam entre uma legitima defesa ou uma brutalidade descomunal por parte do jovem, verdade é que enquanto aguardavam o socorro solicitado, o homem permanecia ali desmaiado e ninguém se atrevia mover a vítima do lugar ou sujeitar a uma reanimação, dizendo respeitar a lei a as autoridades locais.
Alguns minutos se passaram neste suspense, mas aos poucos o homem redobrou os sentidos, voltando ao seu estado normal ou mais que o normal pois, para o espanto de todos, de uma forma estupenda aquela batida pareceu ter sido providencial sendo o suficiente para tirar o homem da amnésia que muitos anos tomaram conta de sua mente.
Quando o socorro chegou, juntamente com as autoridade policiais, o homem já havia se levantando, embora ainda enlameado pelo próprio sangue, ele parecia não se importar com isso, com a mente recuperada agora já falava de seu passado o que foi o suficiente para os mais antigos reconhecerem no velho mendigo, um antigo morador da cidadezinha que a muito tempo foi considerado morto em um misterioso acidente automobilístico e cujo corpo encontrado só foi reconhecido pelos familiares pela placa do carro, pois estava totalmente carbonizado e após os trâmites legais, foi sepultado naquele cemitério, exatamente no local onde foi construído a capela na qual agora ele pernoitava.
Recordando do passado contou o mendigo que, vindo de uma viagem que fizera a negócio foi dominado por dois homens armado que anunciaram um assalto, amarrado foi colocado no porta mala do carro, relata que passou por momentos de terror permanecendo imobilizado longo tempo com o carro em movimento, depois não recorda de mais nada, supõe que, considerado morto pelos assaltantes, seu corpo tenha sido desovado em um lugar ermo. Contou o mendigo que em um hospital, após ter recuperado fisicamente se recorda apenas ter sido informado que foi encontrado por dois caçadores que o socorreu levando àquela entidade onde ficou internado por varios meses e sabendo dos preparativos para sua internação em um abrigo, fugiu do hospital e saiu vagando pelo mundo.
Desvendado o segredo que envolvia a sua vida e mendicância, surgiu ainda outro problema, afinal quem era o homem sepultado naquela capela? Mistério este que para ele agora tinha pouca relevância, afinal foram muitos anos vivendo na clandestinidade, perdidos na escuridão de uma mente insana. Agora que a barreira da mente caiu e a verdade revelou o seu verdadeiro ser, ele pode enfim conhecer a sua filha, pois quando despareceu, sua esposa estava gravida de poucos meses, providencia divina para os crentes e apenas destino para os incrédulos, a filha era a bela jovem que foi visitar a capela, ato que realizava todos os anos, desde que passou a compreender a história da triste morte do seu pai.