ROSINHA, UM AMOR DO ALEM
Era uma tarde de sábado, o dia estava agradável, uma característica tarde de primavera, como de costume havia ido até o patrimônio e como o dia já pendia para o pôr do sol, despedi dos amigos da venda, montei minha velha bicicleta e pedalei rumo ao estradão da balsa com destino a casa de meus pais, pois deveria chegar um pouco antes do pôr do sol para tratar das criações. Tão logo passei pela casa amarela, o prostibulo da cidade, senti nos ares um adorável perfume e avistei a minha frente uma linda moça e ao ultrapassar, ela me chamou:
___ Moço.
Parei e me virei para dar atenção, fiquei impressionado com a beleza da jovem que sorrindo me perguntou:
___ Esta estrada vai para o bairro dos ipês?
Respondi dizendo que sim, mas que era uma bela caminhada até lá e a pé deveria demorar umas duas horas mais ou menos, foi então que ela pediu a minha companhia pois não se sentia segura caminhar sozinha, uma vez que ela não conhecia bem o lugar. Diante de tal formosura e de carinhoso convite, apeei da minha bicicleta, peguei uma pequena mala que ela trazia consigo, coloquei na garupeira da bicicleta e seguimos caminhando. A princípio a conversa era cheia de cerimonias de lado a lado, mas no caminhar, as barreiras foram se quebrando tanto que até parecia que éramos velhos amigos. Fiquei sabendo que ela se chamava Rosa, mas popularmente conhecida ´por Rosinha, era filha única de um tal Jeremias Matias, fora nascida e criada no Bairro dos Ipês mas a tempos havia se mudado. Disse à ela que não conhecia a família pois morava em outro bairro e a minha família havia mudado a pouco tempo para a região, mas conhecia bem a região, embora não conhecesse todos os moradores do bairro. Procurando estreitar o relacionamento, ofereci a ela balas que trazia comigo, havia comprado para o agrado de minha sobrinha Maria que sempre aparecia lá em casa, ela aceitou e assim a conversa fluía tão naturalmente que o tempo em companhia de tão simpática criatura parece não ter passado, porem ao chegarmos em seu destino embora o sol acabará de se pôr, a lua próxima da quarto crescente havia a pouco apontado no horizonte e já banhava com sua luz prateada toda a imensidão, aquela porteira que dava entrada para ao sitio do pai da jovem e um enorme pé de ipê florido davam um ar magico e misterioso ao lugarejo.
Rosinha parou, entreguei a sua mala, ela agradeceu a minha paciência, peguei um galhinho de Ipê florido que avistei enroscado na cerca de arame farpado, que provavelmente ou providencialmente, o vento havia derrubado da frondosa arvore e entreguei a ela juntamente com um papel de bala, ela sorriu novamente e combinamos nos encontrar na tarde do outro dia na vendinha do bairro. Ela abriu a porteira e entrou na propriedade.
Da porteira ainda fiquei observando tão meiga criatura e depois montei na minha bicicleta e rumei para casa de meus pais, apesar do lugar não ser tão distante e bem conhecido, inexplicavelmente me perdi pelo caminho e só fui chegar em casa perto da meia noite, encontrei meus pais e meus irmão todos preocupados, não por ter faltado com o compromisso de cuidar das criação mas porque isto nunca havia acontecido até aquele dia, tomei um belo pito de meus pais mas fui dormir tranquilo, a imagem da bela jovem e a fragrância do seu perfume pareciam impregnados na minha mente e na minha roupa.
No outro dia acordei bem cedinho e fui cuidar das minhas obrigações, afinal de contas já havia falhado no sábado, agora não podia vacilar. Depois do almoço, me aprontei para sair, só que desta vez não para o campinho de futebol do bairro como de costume, me dirigi para a venda do Bairro dos ipês para o encontro marcado com a Rosinha do seu Jeremias. O caminho para a venda passava obrigatoriamente pela porteira que dava acesso a propriedade do pai de Rosinha, mas achei estranho que a porteira estava lá, agora velha e caindo aos pedaços, não tinha o pé de ipê, apenas um toco de uma arvore já carcomido pelo tempo, algo bem diferente do que havia presenciado na boca da noite do dia anterior. Esquisito! Pensei comigo, mas segui para o encontro marcado.
Naquela tarde de domingo havia muita gente nas imediações da venda, pois haveria um jogo de futebol naquela tarde e enquanto aguardavam o inicio da peleja, os mais velhos se acomodavam sobre a sombra das arvores, os jovens perambulavam de um lado para o outro, os rapazes de chapéu e as moças com suas sombrinhas coloridas, enquanto as crianças corriam para lá e para cá, tudo isto dava um ar gracioso e festivo ao ambiente. Me juntei aos demais e logo encontrei um velho amigo e antigo morador do bairro, sem delongas perguntei se ele conhecia e havia visto a Rosinha do seu Jeremias por ali, no que o rapaz fixando olhar em mim, respondeu:
___ Você está louco! Não cheguei conhecer e nem poderia ter visto ela por aqui hoje.
A Resposta do amigo me intrigou e perguntei o porquê não poderia ter vista a Rosinha e diante de sua resposta fiquei perplexo:
___ Ora, porque a Rosinha não existe, dizem os mais antigos que ela era uma moça muito bonita e simpática. Era filha única de um homem chamado Jeremias Matias que viveu nesta região no inicio da colonização. Seu Jeremias conforme chamavam tinha uma grande propriedade de terra na velha porteira depois da curva dos ipês, ele a criou com zelo e tinha um enorme orgulho pela beleza da filha que era a menina de seus olhos. Rosinha cresceu e se tornou uma jovem adolescente muito bonita e atraente. Seu Jeremias, já cansado da lida, contratou um peão para cuidar do seu rebanho sem imaginar que algo desagradável pudesse acontecer bem embaixo de seus olhos. Acontece que peão se apaixonou pela moça, mas ela não queria nada com ele, certo dia seu Jeremias e a esposa foram ao patrimônio e deixaram Rosinha em casa, o peão aproveitando da oportunidade, adentrou a casa, estuprou, e depois matou a moça. Quando seu Jeremias chegou em casa e se deparou com tamanha atrocidade, imediatamente matou o rapaz e depois se suicidou com um tiro no ouvido, a viúva vendeu a propriedade, mudou e nunca mais voltou para estas bandas.
Diante de tal relato, meu corpo se arrepiou todo, minhas esperanças de encontrar Rosinha foram por água abaixo, aquela tarde não foi agradável, o mundo perdeu as cores e fui embora mais cedo para casa. Os dias se passaram e não podia acreditar em tal relato mesmo depois de ser confirmado por várias outras pessoas com as quais conversei, pois apesar dos fatos inexplicáveis que aconteceram naquela tarde de sábado, os momentos vividos com a moça no estradão da balsa pareceram tão reais o que se tronavam difícil entender tal acontecimento.
Dias depois faleceu o pai de um amigo do bairro, após o guardamento, acompanhei o enterro até o cemitério do patrimônio e para maior espanto, passei por um velho tumulo em cuja lapide estava escrito “Rosa Matias”, imediatamente me lembrei da moça, parei ante aquele tumulo e pude ver sobre ele aquele galhinho de ipê já murcho pelo tempo e ao lado o papel de bala tal qual havia entregue para Rosinha na nossa despedida na porteira do Ipê florido, novamente senti um forte arrepio pelo corpo e só então tive a certeza de que Rosinha já havia partido para o além.
Esta história nos contou seu Laudelino, um senhor de quase noventa anos de idade, em seu leito de morte, terminado o causo, ele olhou para um ponto infinito do quarto, pronunciou a palavra Rosinha, sorriu, seu rosto empalideceu e ele partiu em paz, com certeza para o encontro definitivo com seu bem querer no além.