O CACHORRINHO CAÇADOR DE TATU

O caboclinho quase nunca ia a cidade, pouco conhecia dos costume da civilização, vivia encolhido em seu mudinho perdido no imensidão do sertão encravado entre as montanhas e além do árduo trabalho de camponês, para ajudar na alimentação da família, no terreiro mantinha em franca produção o seu plantel de carijós, no chiqueiro uns porquinhos em engorda e as vezes até sobrava do gasto, uns capadinhos que vendia para o pessoal do próprio bairro, a caça e a pesca era praticada não apenas como esporte, mas como meio de subsistência pois elas propiciavam a diversificação no sustento de sua pequena e modesta família, complementando o alimento do seu dia a dia formada a base de arroz feijão e como mistura, os produtos da caça ou da pesca.

De tal forma que ele não abria mão deste atino embora seus apetrechos de caça fossem dos mais rudimentares possíveis, composta apenas a espingardinha de carregar pela boca conhecida popularmente por rabo de cutia, o embornal já escurecido pelo tempo e pelo uso, que era onde carregava seus aviamentos, e quando da falta de pólvora e chumbo, ele nem esperava o sábado ou qualquer outro dia santo, lá ia ele para o povoado com o firme propósito de adquirir tais produtos que os considerava de extrema necessidade.

Foi numa dessas idas com a desculpa de suprir tais carências, que ele adentrando na venda do povoado, encontrou um velho conhecido desde os tempos de escola, local que frequentou por apenas dois anos depois saiu pois o trabalho na roça parecia ser mais importante do que os estudo, afinal de contas já havia aprendido escrever o seu nome e afazer as contas básicas. Já o rapaz seguiu em frente nos estudos, se tornou o famoso dentista do povoado, sempre bem aprumado nas vestes, arrumado nos cobres e muito dado com todos, mas um loroteiro de mão cheia.

Ao ver o caboclinho entrar, foi logo cumprimentando o amigo caipira que a há muito não o via e de praxe lhes ofereceu uma dose da branquinha, princípio de uma boa prosa, assim conversa vai, cachaça vem, cachaça vem conversa vai, o tímido caboclinho embora viesse ao povoado apenas para comprar seus aviamentos, gostou da prosa e o papo fluía livre até que doutor fez um elogio um tanto quanto despretensioso quando um cãozinho de sua propriedade adentrou no estabelecimento e reconhecendo-o fez festa. O doutor, depois de afagar a cabeça do animalzinho disse:

___ Cachorrinho bravo tá aqui, tempos atrais o Totonho carroceiro ia passando na rua, não sei porque o danado saiu correndo e acuando o carroceiro até que se aproximou e deu uma mordida na roda da carroça que chegou tirar uma lasca de madeira!

O Caboclinho apesar de ter tomado alguns goles a mais, ficou encafifado com esta história, como a danada da branquinha já lhes havia dado coragem além do normal, achou por bem retrucar o loroteiro, pareceu oportuno tambem tecer elogio a seu cãozinho caçador de tatu e foi logo dizendo:

___ Pois oia aqui dotor Laurindo, cachorrinho bão tinha la no meu rancho, ganhei dum cumpadre, levei pra casa co’a prumessa de sê muito bom pra caça tatu. Tempos atrais intão resorví i caça tatu, levei u danado du cachorrinho i nun demorô muito logo achamos um peba, o cachorrinho saiu acuano, o peba ia na frente e o cachorrinho correno atrais, quando tava pegá e num pegá, chegano na berada do rio turvo, o tatu viu que num tinha iscapatória, pulô dentru du rio e num é qui o danado cachorinho pulo atrais, quandu cheguei na barranca du rio, us dois tinha desaparecido dentru d’agua. Foi quando instantinho depois, formou um redimoinho dentru du rio qui turvô a água toda. Achei qui tinha perdido o cachorrinho, presente do meu cumpadre, mas quar o que, meia hora dipois o cachorro reaparece na barranca do rio com o tatu mortu na boca e mi deixô nus meus pé. O Cachorrinho tava cum quasi um parmo de língua di fora di tão cansado da briga nu fundo do rio turvo. Assuntano o tatu ali mortu achei esquisito quele tava cuma istaca fincada nu pescoço, aquerdito qui dipois de muito labutá, vendu qui tava perdeno a parada pro tatu, pois num é qui o danado do cachorrinho acabô matano o tatu com uma lasca de madeira qui encontro nu fundo do rio, seu dotor!

O Doutor observando a fértil imaginação de seu amigo de infância, caiu na gargalhada e querendo ver o caboclinho embaraçado, perguntou como o cachorro havia conseguido uma lasca de madeira no fundo do rio e o Caboclinho mais que depressa retrucou:

___ Ahhh Dotor! Como ele achô num sei dizê pru dotor, mas tenho intuição que deve de sê a lasca de madeira da roda da carroça que seu cãozinho de istimação rancô na dentada.

Enquanto o amigo doutor ruminava a resposta merecida, ele ainda arrematou:

___ Eita cachorrinho bom pra caçá tatu tava ali, mais teve vida curta, ofendido pruma cascavé, num teve benzedô que desse jeito, o pobrezinho morreu memo e nunca mais pissuí um cachorro bom qui nem ele.

Como o vendeiro já havia providenciado seu pedido, observando o adiantado da hora, o caboclinho tratou de pagar sua conta, se despediu do conhecido Doutor que ficou sem palavras diante do causo do amigo caipira.

Maciel de Lima
Enviado por Maciel de Lima em 07/05/2021
Reeditado em 08/05/2021
Código do texto: T7250640
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