Gilda
Bandeira, São Paulo – 2020.
A cidade não era grande, ao contrário do esperado, Bandeira, é uma cidade de interior com um grande número de moradores, apenas isso. Possui ares de cidade grande, mas de grande está longe.
As ruas são todas de paralelepípedo, exceto a Rua Machado Venâncio, ou seja, a rua da prefeitura e onde ficava a casa (palácio) do prefeito José Venâncio, tataraneto do homenageado à rua. O senhor Machado Venâncio era um homem carrancudo e muito devoto ao cristianismo, possuía até ares de padre. Que blasfêmia!
Os mais velhos de Bandeira dizem que ele foi o melhor político da cidade, pois mantinha seus olhos nos mais necessitados, mas quem em Bandeira não era e continua sendo necessitado? Mas enfim, hoje eu quero contar a vocês a história de Gilda Maníaca, que ganhou esse apelido pelo seu... Jeito de ser.
Ah, primeiro devo me apresentar, não é? Sou Danilo, o filho do dono da venda, da mulher que lava para fora, irmão da doidivanas da Daniele. Sim, Danilo Durval. Formado em Jornalismo e contratado do jornal local, A Folha de Bandeira.
Voltando ao assunto principal, Gilda Maníaca fora moradora de Bandeira há uns cinquenta anos. Era filha de João Milheiro, dono da maior fazenda de milho da cidade. Sua mãe era Gerusa Costureira, consertava a roupa de todos aqui, e ainda costurava roupas novas e vendia na rua da prefeitura, que era de paralelepípedo enquanto as outras eram de terra.
Contam que Gilda desde criança era espevitada e gostava de levantar a saia para se mostrar em roupas de baixo. Os garotos adoraram vê-la passear, pois sempre encontrava um jeito de se mostrar escondida de quem a acompanhava. Quando virou mocinha fez um verdadeiro escândalo quando a primeira vez o sangue lhe desceu, todos da cidade souberam da notícia tremenda falação e mexericos dos outros.
Gilda com corpo de moça começou a deitar escondida com os rapazes da escola, e qualquer um que se oferecia. Durante os intervalos de aulas, mostrava os seios aos que pediam e ainda deixava ser apalpada. O senhor João Milheiro e a senhora Gerusa Costureira cortavam um dobrado para manter Gilda Maníaca quieta e fora de holofotes, mas a danada parecia estar possuída, quando os pais a proibia ela descumpria, quando eles a prendia ela fugia.
Uma senhora velha aqui perto de casa, Antônia Vigilante, disse que ela tinha a ajuda de um empregado da casa, o Chico Safado. Chico era conhecido assim, pois tinha o mesmo dom de se deitar com qualquer uma. Além de aplicar diversos golpes nos outros, só respeitava seu José Milheiro, pois o homem lhe dava teto e emprego, ainda lhe pagava um bom dinheiro.
Ninguém tem dúvida de que Chico fora o primeiro homem que Gilda conhecera. Primeiro e mantenedor de sua vontade insaciável, pois a ajudava a se encontrar com os rapazes e ganhava em troca outra noite com a moça. Chico e Gilda desapareceram de Bandeira na mesma época, certamente fugiram juntos.
Há um causo que devo relatar; dona Tânia Baleira, a antiga dona da pequena doceria de Bandeira, foi à delegacia e registrou queixa contra Gilda Maníaca. A mulher chegou enfurecida dizendo que Gilda havia abusado de seu filho, Juca Demente, que vivia no mundo da lua, e naquela época devia ter uns doze anos, enquanto Gilda possuía seus dezoito. O delegado, Pedro Rosquinha, ficou com os cabelos em pé. Tremeu-se todo diante da acusação e junto de seus dois guardas fiéis, Duda Gentalha e Leno Ventania, foram para a casa de Gilda.
Dizem que Gilda estava em casa e desmentiu toda a acusação. Olhou torto para Juca Demente que apoiou a moça. A confusão fora grande até esse ponto chegar. Seu José Milheiro ficou envergonhado de tudo, não conseguia nem olhar para Gilda e piorou a situação da moça quando mais duas mulheres deram parte dela para o delegado.
Uma dizia que viu Gilda aos prazeres no canto escuro de trás da padaria, um beco usado somente para a recolha dos lixos. E a outra dizia que Gilda abusara de seu sobrinho, Toninho Levado, um menino que aprontava todas com todos, mas não tinha o cunho sexual que Gilda lhe deu, o menino de treze anos só pensava em se deitar com mulheres após Gilda. Toninho Levado já não queria estudar, nem ajudar os pais com as tarefas vivia dizendo que queria se deitar com as meninas.
O pior mesmo, e derradeiro na história de Gilda em Bandeira foi quando ela fora acusada por se deitar com Vitinho dos Carros, um menino de dez ou onze anos que vivia brincando com carros o tempo todo. Diziam que ele só se interessava por carrinhos, sempre pedia carrinhos, corria para a rua e ficava observando os carros passar.
O menino não se importava com modelos, tamanhos e nem cores; o importante era serem carros. Ingênuo o garoto, recebeu a proposta de conhecer um carro por dentro e passear nele, seu rosto pareceu bombear alegria e excitação, balançou a cabeça afirmativamente diversas vezes e correu para os braços de Gilda.
O sorriso não cabia em seu rosto tamanha felicidade em estar dentro de um carro, o passeio lhe estava sendo o maior presente da vida; olhava para todos os cantos, todas as coisas, cada detalhe, transeunte, comércios; tudo que ele já conhecia de cor, mas a visão de dentro do carro lhe trazia uma sensação de que tudo era novo.
Quando a noite caiu e Vitinho dos Carros não regressou a casa, todos ficaram preocupados, que mal iriam querer do pequeno menino? Onde ele poderia estar até àquelas horas? Com quem ele poderia ter saído? Questões que nenhum familiar era capaz de responder. Bateram na porta de todos, logo Bandeira inteira estava sabendo do sumiço de Vitinho dos Carros. Tão tenra idade causava penalização em todos conforme iam sabendo. E uma empatia enorme para com os parentes.
Antônia Vigilante disse que vira a cena de Gilda conversando com o menino e o levando para o carro. A cidade toda resolveu procurar Vitinho dos Carros, inclusive os moradores mais afastados, que foram avisados através de Túlio Pedalista, o único jovem a possuir uma bicicleta na cidade e que servia de mensageiro aos moradores longínquos e, também, fazia vezes de entregador. Os pneus de sua bicicleta nunca correram tanto como naquele dia, deixando em todas as vias as marcas de seus pneus.
Quem encontrou Vitinho dos Carros fora seu João Milheiro que havia iniciado buscas em todo o seu milharal, botara todos os empregados para procurar o menino, mas ele quem o encontrara. Caidinho atrás do celeiro, com a bermuda arriada e filetes de sangue saídos de sua genitália. O homem ficou horrorizado. Suas lágrimas caíram na mesma hora, apoiou-se no celeiro para não cair e colocou a mão na boca. Antônia Vigilante não havia mentido, como ele esperava.
Quando seu João Milheiro alarmou a notícia, todos da fazenda e Túlio Pedalista correram até lá, a choradeira se iniciou ali mesmo. Dona Gerusa Costureira zonza de nervoso entrou de fininho em sua casa e notou, no quarto de Gilda Maníaca, que a moça havia fugido, pois estava sem nada nos armários e nas gavetas. Todos os pertences dela não estavam mais lá. E por não ver a filha desde a manhã concluiu todo o ocorrido.
Vitinho dos Carros fora levado para o hospital e viveu, mas ficou traumatizado. Jamais se casara, tomou pavor dos atos conjugais e hoje se ordenou padre e toma conta da paróquia de Bandeira. É um padre muito querido e respeitado por todos, Padre Vitor.
Quanto a Gilda Maníaca, o delegado passou o caso para a capital que ficara a procura da mesma por anos, emitiu chamado a todos os estados, porém ninguém jamais a vira novamente. Ao notarem o sumiço de Chico Safado ligaram os dois e o casal é foragido desde então. Seu João Milheiro e dona Gerusa Costureira se envergonham do caso até hoje, fui lhes falar antes de escrever e eles choraram o tempo todo. Impossível não notar tamanho desgosto que têm sobre isso. Seus cabelos brancos e rostos enrugados expressam anos de tortura própria, mesmo os dois não tendo culpa. Um empregado da fazenda, Zé Fofoca, disse-me que os dois choram sempre que o assunto é lembrado, e que durante anos se penalizaram pelos fatos. O casal de senhores só não vendeu a fazenda por conta de Juninho Sonhador, o neto que Gilda Maníaca deixou para eles cuidar e ninguém sabe quem é o pai.