Grande perda (18.04.2015)
Ansiedade, enjoo, desejos, pés inchados... Apenas algumas palavras que resumem o que ela sentiu durante esses sete meses. Estava, de certa forma, nervosa por causa disso, mas era normal pra uma mulher gestante: variação nas emoções.
Fizemos o chá de bebê quando completou sete meses, até para comemorá-los também. Normalmente as pessoas fazem isso no oitavo mês, mas escolhemos o sétimo. Todos que chegavam à nossa casa tinham um sorriso estampado no rosto e nos diziam parabéns e todas aquelas coisas que são normais de se dizer em uma ocasião como esta. Ela pediu licença pra ir ao banheiro, o que também se tornou comum naquela época, pois sua bexiga estava sendo comprimida pelo bebê.
Continuei no jardim, conversando com os convidados quando, de repente, foi possível ouvir um grito horrível vindo do andar de cima da casa. Corri pela escada até aparecer na porta do banheiro, onde ela estava com a mão ensanguentada e o vestido branco manchado de vermelho... E aquela mancha horrorosa aumentava mais e mais...
Peguei-a nos braços, pouco me preocupando com o sangue, e a levei o mais rápido possível pro carro, com todos os convidados exasperados correndo atrás de nós enquanto eu ia até a garagem com ela, ainda em meus braços e gemendo de dor. Eu não conseguia responder às perguntas, só fazia o que o desespero me ordenava: colocá-la no banco do passageiro, afivelar o sinto, entrar no carro, ligar o motor e sair em disparada para o hospital mais próximo.
Tudo aconteceu rápido, vários médicos e enfermeiros vindo em nossa direção, colocando-a em uma maca e saindo pelo corredor... Depois, tudo ficou preto.
A dor era aguda e quase insuportável, uma cólica em nível absurdo. Sangue manchava meu vestido branco e a mancha já estava em minhas costas, eu podia sentir pelo calor molhado e viscoso.
Estava ficando zonza e as pessoas à volta eram apenas borrões. O teto mudou para um tom mais escuro, assim como o ar que agora tinha um cheiro mais forte de éter...
A sala de cirurgia.
- Não dá tempo de esperar a anestesia fazer efeito. Temos que pedir pra ela colocar pra fora, e logo!
Aquela expressão "colocar pra fora" me causou uma forte agitação, todos se aproximaram de mim com urgência e várias vozes enchiam minha cabeça.
- O que está acontecendo? O que eu estou fazendo aqui? - Perguntei de forma dura e desesperada, mas percebi que minha vos estava bem grogue.
- Você está abortando - disse uma das vozes, fria.
- O quê?!
- Você vai perder seu filho - falava como se estivesse comentando o resultado do jogo de ontem.
- E vocês não podem fazer alguma coisa?!
- Não, só você pode - fiquei calada, esperando a voz continuar - Tem que colocar esse bebê pra fora.
- Você fala como se fosse um... - Não consegui completar a frase, a dor se tornava cada vez mais aguda e pulsante a ponto de fazer minha voz sumir de vez.
- Vamos lá, ela tem que colocar pra fora!
Desmaiei.
Quando acordei, estava meio sentada, a dor era mais pulsante do que antes, uma dor aguda que parecia seguir os meus batimentos cardíacos; escutava várias vozes me dizendo pra fazer força e, mesmo não sabendo o motivo, fiz o que as várias vozes mandava. Quanto mais eu fazia força, mais a dor aumentada ao ponto de me fazer ficar sem fôlego.
Muito tempo se passou, poderiam ter se passado anos e eu nunca teria notado. A dor não permitia que eu me concentrasse em mais nada, só queria que aquela agonia saísse logo de mim, que a dor parasse ou que, ao menos, diminuísse.
Era tão aguda... Sentia as pontadas percorrerem todas as outras partes do meu corpo. Podia ver sangue se espalhando por toda a cama, manchando tudo ao meu redor; tudo o que eu queria era tirar a dor dali. Minha visão estava turva e meus ouvidos zunindo, sentia meu rosto quente pelo esforço e a dor só parecia aumentar...!
Não conseguia ver, a dor pelo menos estava diminuindo aos poucos, e o alívio tomava todo o meu corpo... Depois minha visão ia, aos poucos, voltando ao normal.
- O que aconteceu?
- Você conseguiu colocar o bebê pra fora.
- E onde ele está?
- Senhora, ele está morto, não vai querer ver.
- Meu filho!
- Senhora...
- ONDE ESTÁ MEU FILHO? EU QUERO VÊ-LO!!!
- Senhora, procure se acalmar...
- EU QUERO VER MEU FILHO, ONDE ELE ESTÁ? QUERO VER MEU FILHO!!!
Um dos médicos se afastou e voltou com uma pequena trouxinha nos braços, que passou para os meus. Descobri o rosto do pequeno bebê, tão pertinho de mim. Ele era lindo, estava limpinho e se parecia muito comigo e com o pai dele, mesmo para um recém-nascido... Ou recém... O quê?... O nariz achatado, a boquinha pequena... Os olhos estavam cerrados, e, por um momento, tive a curiosidade de saber qual a cor deles...
Estava completamente imóvel em meus braços, o corpinho inerte... Coloquei um dos dedos perto do pequeno nariz, em uma vã e tola esperança... E nada... Nem uma baforada de ar, por mais fraca que fosse. Os ombrinhos não se mexiam e ele permanecia daquele jeito... Parado, parado e parado.
- NÃO!!! - Gritei, levando o pequeno corpinho de meu filho para mais perto do meu. Os médicos lançaram as mãos sobre mim e tiraram a criança dos meus braços. As lágrimas já enchiam minha visão novamente, tornando-a turva agora por um outro tipo de dor. Uma que era pior que a anterior...
Eu só conseguia gritar. Ele estava morto. Vários braços me seguravam enquanto eu me debatia na cama, vendo o médico que havia me tirado a criança desaparecer pela porta...
Sentado na recepção, tão aflito que suava, mesmo com o ar-condicionado. Um médico saiu daquelas portas de vai-e-vem com um bebê nos braços, pareceu procurar alguém até que veio na minha direção.
- Meu filho...? Ele...? - Comecei, mas fui interrompido:
- Ele está morto - o médico... Simplesmente... Disse aquelas três palavras de poder cortante, mortal, e saiu de perto de mim...
Levando o pequenino corpo consigo.
Paulia Barreto