Casos de família - Os filhos da Telma

Obs. – Pretendo registrar alguns casos pitorescos acontecidos em minha família. Nesse contexto, estão os Santiago, os Pereira, os Fonseca, os Baía, os Rodrigues, os Barbosa, parentes mais próximos.

Primeiros casos – Os filhos da Telma e outros mais

Papo de bola

Essa aconteceu com a Ludmila e Sammy. O Sammy adorava ver desenhos quando chegava da escola, na hora do almoço. Mas seu desejo ia de encontro ao de seu pai, o Geratel, que adorava também outro programa, no mesmo horário, o “Papo de Bola”, programa esportivo com o saudoso Kafunga. Como, naquela época, só havia uma televisão na casa, alguém dançava. Adivinha quem? O Sammy, é claro, aí pelos seus 5 anos.

Um dia, um pouquinho antes do horário “fatal”, passaram pela casa da Rosana, minha irmã, para deixar alguém ou pegar alguma coisa. O Geratel, sempre apressado, nem desceu. Já prevendo que não ia descer, enquanto os adultos conversavam qualquer coisa, a Ludmila convida:

- Sammy, desce um tiquinho, vem ver desenho na televisão.

E o Sammy, já desconfiado, pergunta:

- Aí também tem papo de bola?

E a Ludmila, ligada em outros interesses do primo, um comilão de doces inveterado, responde, na bucha:

- Não, só tem “gelatina goial”.

Cabeça quase rachada e pombos da Catedral de Brasília

A única vez que os meninos da Telma foram a Brasília me visitar ficou na história. O Sáimon quase fura a cabeça no suporte do microondas. Estava jogando “war” na mesa do lanche, foi apanhar uma peça no chão, e ao levantar a cabeça para voltar à posição de jogo, estouvado, bateu o coco no parafuso. Ai, que dor! Ai, que dó! Essa realmente foi terrível, me assustei com o barulho do choque.

Outra deles três foi na porta da Catedral. Quando viram o monte de pombos, alvoroçados, voando pra todo lado ou pousando pra comer pipoca no chão, aquele monte de turistas tirando foto ou filmando em frente aos Profetas, ficaram louquinhos da silva, aliás também seus sobrenomes paternos. Não pensaram duas vezes: tiraram os chinelos e saíram jogando nos pombos, que ficaram ainda mais alvoroçados e, quanto mais voavam, mais chineladas levavam. Um deles, não me lembro, mas sou capaz de apostar que era o Linho, teve de voltar pra casa descalço. Deve ter um par de chinelos esperando por seus pés até hoje na Esplanada dos Ministérios.

O “Linho” e seu “tuninho”

A melhor de todas, no entanto, foi a do Linho (na época Beilinho), o caçula Seylor. Fomos passear no Parque da Cidade. Pra levar todo mundo, foi preciso fazer duas viagens. Estava um calor e uma secura danada. Os primeiros a ficar lá foram as crianças (Ludmila, Sammy, Sáimon, Linho, Gustavo e Maíra). Voltei para buscar os outros em casa. Demorei meia-hora, quarenta minutos. Quando voltei, fui logo escutando a reclamação indignada do Linho:

- Ah, não... Deixa a gente aqui sem água, sem nada pra fazer... Só esse “tuninho paia” pra gente ficá “travessano”!...

Tem “cigarrete”?

Bom, isso aí foi só o começo. Para compensar o “só esse tuninho” e a falta d’água, fomos logo pra lanchonete que ficava lá por perto. O Sammy foi logo pro balcão, meio chefão e decidido. Foi fazendo o pedido que nem gente grande. Os adultos da turma, pais, tios e os outros meninos foram sentar-se, esperando o garçom. Feitos todos os pedidos, ficou só uma dúvida: o Linho tinha pedido “cigarrete”. O garçom fez cara de quem não tinha entendido bem, foi ao balcão, assuntou meio desconfiado, conversou com um, com outro, e voltou com a triste notícia pro caçulinha da Telma:

- Cigarrete não tem, meu bem. Aí, ele, conformado, então disse:

- Então, me traz empada.

O garçom nem tinha voltado, quando o Linho percebeu o Sammy comendo cigarrete, bem folgado, sentado na banqueta, junto do balcão. A reação do menino foi imediata, caprichando na voz grossa e no sotaque pitanguiense, dizia pra mãe, a Telma:

- Vam’bor daqui A G O R R R R R! Olha lá o Sammy comendo, o moço mentiu pra nós. Tem cigarrete, sim! V A M ‘ B O R A D A Q U I. A G O R R R R R!

O coitado do garçom não tinha culpa de não ser de Pitangui. É que, lá, cigarrete é o mesmo que ENROLADINHO DE SALSICHA.

“Tolei a briola”

Outra da viagem a Brasília: o Gustavo foi com o Linho na padaria. Compraram uma coca litro, o Linho veio trazendo a coca. Só que brincava pelo caminho de várias coisas com a respectiva, entre essas, de metralhadora, sacudindo o litro, apontava para inimigos invisíveis. Pelo menos para nós. Pois quando chegaram em casa, foram abrir a coca, voou gás e espuma pra todo lado, e sobrou a exclamação na voz grossa do Linho, pensando no que lhe poderiam dizer os donos da casa:

- Ih, tolei a briola!

O que isso quer dizer? Sei lá, vamos consultar um dicionário de pitanguiês.

Linho entrega o Sáimon

O Gustavo, meu enteado, sofreu com o Linho nessa semana. Mas sofreu também quando morava em Pitangui. O Sáimon viu um retrato do Gustavo de cabelos bem grandes, lavando louça. E deve ter comentado, indiscreto, alguma coisa. O Linho, vivo, deve ter registrado. A imagem ficou na lembrança. Quando chegaram em Brasília, confirmando em vivo e em cores a longa cabeleira do já então talentoso Gustavo, largou essa, meio que confidencialmente, sem um interlocutor definido, mas com aquela voz bem grossa desde criancinha:

- Bem que o Sáimon falou que o Gu virou viado!

"Fudeu o fiôfo"

Outra de pitanguiês. Personagem principal, adivinhem: Linho. Íamos à Água Mineral (pra quem não conhece, área de preservação ambiental de Brasília, com duas ou três piscinas de água mineral, lugar de lazer muito procurado, porque é barato e muito bonito). Era um sábado. Durante a semana, um calor de matar, o comentário era só esse: lá é uma confusão; vai gente demais quando tá quente assim, se tiver fila grande, não compensa ficar esperando, vamos sair cedinho, entre outras observações. E o Linho registrando... O Linho registrando...

No dia do passeio, fila nenhuma. Havia uns poucos carros parados, esperando a hora de pagar pra passar no portão. Não havia pressa, portanto. Nada da confusão anunciada. Paramos o carro um pouquinho antes, ainda fora da pequena fila, pra ver alguma coisa. Foi a conta: logo apareceram mais dois ou três carros, passaram na frente, entraram na fila. Foi o bastante para o Linho, pensando que o passeio estava arruinado, fazer o seguinte comentário:

- Ih, fudeu o fiofo!

Assim mesmo, palavra paroxítona, sem acento no último “o”. Me emprestem de novo o dicionário de pitanguiês.

Foi engano

O Linho, nessa viagem da Telma, matou a pau. Outra dele: nas primeiras horas em Brasília, sem nada pra fazer, preso num apartamento pequeno, ele brigou com um dos irmãos ou simplesmente se aborreceu com alguma outra coisa. Daí, ligou pro Geratel, seu pai, pedindo pra voltar pra Pitangui. O pai atendeu, conversou, tentou demovê-lo da ideia, mas, pra encerrar o papo, acabou prometendo que ia buscá-lo. Claro, só pra acalmar a fera.

Com a promessa do pai na cabeça, o menino da voz grossa se aquietou. O fim de semana começou a apontar na esquina, apareceram conversas de passeios, shopping, clube, Parque da Cidade, Água Mineral, o astral mudou, a companhia foi ficando boa, o Linho começou a mudar de ideia. De repente, lembrou do telefonema e da promessa de que ia ser buscado. Deve ter pensado na farra que ia perder, casa cheia, muito passeio planejado, não teve dúvida: pediu pra ligar pro pai e foi logo dizendo:

- Pai, sabe aquele telefonema que eu te dei pedindo pra me buscar? Pois é, foi engano.

Personagens – Ludmila Santiago Reis – psicóloga; Gustavo Gontijo – músico e engenheiro; Sammy, Sáimon e Seylor Santiago Silva (Linho), comerciantes; Geratel – Geraldo José da Silva, comerciante.

William Santiago
Enviado por William Santiago em 31/03/2020
Reeditado em 31/03/2020
Código do texto: T6902657
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