O senhor José Fortunato tinha um sitio lá pras bandas do Macuco, um bairro do Barro Preto. Um homem muito respeitado entre os vizinhos, dado o seu jeito sábio, simples e simpático. Vivia lá já há muitos anos, tendo herdado sua propriedade do avô paterno, considerando que seu pai tinha falecido quando era ainda muito jovem, vitima de tuberculose. Aos setenta e dois anos, alto, magro, mãos macias e suaves, cabelos grisalhos, parecia ter sessenta e cinco. Andava sempre bem vestido, gostava de usar camisa branca de manga comprida, a calça de algodão com a barra sempre enfiada dentro das botas que subiam até os joelhos. Gostava de usar um chapéu de abas largas, um par de esporas, um canivete e um isqueiro para acender o cigarro. Era apaixonado por cavalos e por isso sempre mantinha pelo menos dois machadores à sua disposição. Criou seis filhos , sendo três moças e três rapazes. Cinco deles foram embora para São Paulo, estudaram, casaram e tocavam suas vidas por lá. Apenas a filha caçula ficou e se casou com Eusébio, um vaqueiro que também não quis enfrentar a cidade grande. Sua esposa faleceu há dois anos, portanto se agarrava a filha e ao genro e os valorizava muito, eram o braço direito dele. A filha cuidava da casa, enquanto o esposo cuidava da fazenda, manejando o gado de corte, cuidando de tudo que fosse necessário para o bom andamento da propriedade. Apesar de serem apenas os três, e, a despeito de todo empenho do sogro para que morassem debaixo do mesmo teto, pois sua casa era enorme e vazia, Euzébio preferiu ter sua própria casa e, para facilitar a execução das tarefas a construiu um pouco abaixo da sede. Mais abaixo ficava o curral, o paiol, o chiqueiro e um barracão onde se guardava os objetos de montaria. Ele gostava muito do genro, via nele muitas qualidades, apesar de ter também um defeito; era um exímio contador de papo. Quando estava em uma roda, dizia ser melhor em tudo. Era o mais corajoso, o mais forte, o mais esperto e também o mais sabido. Sua esposa era ciente desse seu jeito, mas considerava que outras qualidades o deixava isento de maiores críticas.
O senhor José Fortunato gostava também de um ajuntamento, fosse para prosear, cantar ou dançar catira. Ele gostava tanto de catira que formou duas equipes, uma feminina e outra masculina. Ostentava em sua sala diversos troféus conquistados nos torneios regionais onde havia a participação de diversos conjuntos. Vez ou outra sua casa ficava cheia de vizinhos que se reuniam à noite para um momento de descontração. Naquele tempo as reuniões entre amigos eram de grande valia. Passavam horas e horas contando causos e dando risadas.
Estava marcado um ajuntamento para uma quarta feira do mês de maio, seria mais uma reunião normal, como de costume, sem nenhuma novidade, sem nada de especial a não ser pelo simples prazer de continuar com uma prática que quase se tornara sagrada : Fizeram um combinado para dançar catira. Mas no dia marcado para o encontro, um imprevisto impediu que os violeiros Adamantino e Clementino participassem da festa. Avisaram de última hora, porque bem de tardinha uma de suas vacas de leite resolveu dar cria e não conseguia expulsar o bezerro, obrigando a buscarem um veterinário. Por conta disso a cantoria e a dança catira foram cancelados. No entanto, a reunião continuou marcada, afinal tinham muitas histórias para contar. O Sr José Fortunato ficou um pouco desapontado com a ausência dos dois amigos, mas contornou a situação com maestria, como sempre fazia nos momentos críticos. Assim que o pessoal ia chegando, ele se dirigia até a entrada da casa e cumprimentava a todos indistintamente, convidando-os a se acomodarem nos bancos de peroba espalhados pela grande varanda.
- Pessoal, sejam todos bem vindos! E não há necessidade de dizer que vocês são todos bem vindos, já são todos de casa também. Pena que não teremos cantoria e nem a nossa dança favorita , mas acho que a gente agüenta esperar até a semana que vem. Vamos prosear e tomar uns goles de vinho para esquentar do frio. Lá fora a escuridão tomava conta de tudo e abria caminho para os vaga lumes se destacarem com suas luzes verde esmeralda, fazendo zigue-zague na imensidão.
A prosa seguia animada com muitos casos variados. A certa altura, o Sr. Francisco, vizinho mais chegado do seu Fortunato, fez uma pergunta:
- O Fortunato, o pessoal mais antigo contava muito caso de assombração. Era a tal da mula sem cabeça, cabrito andando em cima do telhado, você chegou a pegar esse tempo?
- Eu nunca vi, mas meu pai contava muitos casos que ele mesmo chegou a ver: Falava que na casa do meu avo acontecia coisas muito esquisitas. Contava também que às vezes quando iam dormir e, mesmo com as portas trancadas, de repente escutavam um barulho como se fosse uma manada de carneiros entrando pela casa a dentro, fazendo um ruído medonho dos cascos tocando a madeira do piso. Acendiam as luzes para ver o que era e simplesmente não viam nada. Tinha também o caso do carro de boi. De madrugada todo mundo acordava assustado com o barulho de um carro de boi que descia a serra gemendo, parecendo estar muito pesado. E a medida que se aproximava da fazenda, seu barulho aumentava tanto, que doía os ouvidos. Mas de repente silenciava completamente, deixando todos de cabelos arrepiados.
- Ufa! Ainda bem que não peguei esta época, Deus me livre e guarde! A certa altura da conversa Euzébio resolveu contar suas vantagens:
Eu não tenho medo de assombração não. Se aparecer na minha frente pego ela pelos chifres, pode ser o que for. Seu sogro interveio :
- Se fosse você tomaria mais cuidado com o que fala. Com estas coisas não se brinca.
Mas ele insistiu:
- Que nada! Tudo isso é bobagem. Falam de um cachorrinho que aparece e desaparece na estrada, de um cavaleiro que monta em sua garupa. Não me assusto com nenhum deles. A conversa seguiu até altas horas da noite. Depois de muita prosa serviram um café acompanhado de biscoito e broa de pau a pique. E então cada um foi para sua casa.
Celina e Euzébio se despediram de seu Fortunato e desceram. E já estavam quase indo dormir quando Euzébio se lembrou que tinha deixado uma porteira aberta e desceu para fechá-la. Celina por sua vez, também se lembrou que não tinha recolhido a roupa do varal e então subiu até o terreiro da casa de seu pai, onde pendurou muitas roupas lavadas naquele dia. Euzébio fechou a porteira, verificou se estava tudo bem com os bezerros apartados e voltava para casa quando viu um vulto branco parecendo um fantasma, que vinha descendo e flutuando em sua direção. Começou a tremer, as pernas bambearam, levou a mão no peito e exclamou: " Ai meu Deus" e simplesmente desmaiou. Cecília vinha caminhando quando viu alguma coisa estendida no chão. Ficou desesperada e chamou pelo pai que veio correndo:
- O que aconteceu minha filha?
- Não sei não pai. Ele tinha saído pra fechar uma porteira que tinha esquecido aberta . E eu subi para recolher a roupa do varal. Acho que ele me viu descendo com o monte de roupa e pensou que fosse assombração.
Seu pai a pegou pelo braço se afastou para um canto e falou baixinho :
- Foi só um susto, logo ele volta. Vá lá dentro e esconde a roupa dentro da caixa para que não veja. Não conte nada a ele, deixe pensar que realmente era assombração. Quem sabe assim ele aprende e deixa de contar papo. Pegue um pedaço de algodão molhe com álcool e aproxime do seu nariz que logo volta a si.
Mas nem precisou do álcool, Euzébio recobrou o ânimo e parecia muito assustado. Levantou rápido, bateu com os braços na roupa para limpá-la do capim molhado de orvalho.
- Meu bem o que aconteceu?
Ocê me assustou desmaiando assim sem mais nem menos.
- Estava voltando do curral quando vi um fantasma na minha frente, um negócio esquisito, branco, vindo na minha direção. Mas como vocês ficaram sabendo do meu desmaio?
- É que você gritou ai meu Deus, então corri para ver o que era. Seu sogro se aproximou e falou seriamente:
- Euzébio, que este acontecimento te sirva de lição, para que deixe de ser papudo e contador de vantagens. Seja mais humilde. Quando a gente tava falando de assombração ficou contando vantagens. Quem sabe agora você toma jeito. Enquanto o sogro falava, Euzébio saiu andando em volta a procura do chapéu perdido em meio a escuridão.
- Tá bom, tá bom. Agora vamos dormir que já é tarde. Depois de alguns meses, numa daquelas tardes preguiçosas, quando já estavam livres dos afazeres diários, Celina e Euzébio estavam sentados na grama que se estendia até a beira do lago e observavam os patos nadando bem tranquilos. Celina então falou para Euzébio:
- Benzinho! Tenho um segredo para te contar?
- Ah é? Então conta uai.
- Ocê vai ser papai.
- É sério! Mas que noticia boa demais da conta!
- Já estou de três meses.
- Posso te contar um segredo também?
- Pode uai.
- Sabe aquela vez que desmaiei de medo quando vi um fantasma?
- Ora essa! Como vou esquecer aquela cena te vendo todo esticado no chão!
- Pois é. Descobri que não era assombração coisa nenhuma. Ocê e seu pai inventaram uma história e eu cai direitinho.
- Ah é? Posso saber por que foi uma armação?
- Descobri tudo o que aconteceu. Ocê foi recolher a roupa do varal. Ocê era o fantasma. Sabe como descobri? No dia seguinte bem cedinho, fui procurar um par de meia e encontrei só um pé. Então coloquei outro par, calcei as botas e sai. Quando subia para a casa do seu pai, encontrei o outro pé de meia caído no chão. Caminhei mais um pouco e encontrei uma cueca. Dai foi só ligar uma coisa com a outra e descobri que meu amorzinho e meu sogro são dois safadinhos, que tentaram me enganar.
- Ora essa amor! Mais respeito comigo e com meu pai viu! E por que que só agora está contando?
- Não queria estragar a festa de vocês.
- Seu bobinho, vou te jogar dentro desse lago agora mesmo quer ver. Celina pegou pelo pé de Euzébio e o arrastou para o lago cheio de patos, mas ela também acabou caindo junto com ele, provocando o maior barulho com o deslocamento das águas e foi pato voando para todos os lados.
O senhor José Fortunato gostava também de um ajuntamento, fosse para prosear, cantar ou dançar catira. Ele gostava tanto de catira que formou duas equipes, uma feminina e outra masculina. Ostentava em sua sala diversos troféus conquistados nos torneios regionais onde havia a participação de diversos conjuntos. Vez ou outra sua casa ficava cheia de vizinhos que se reuniam à noite para um momento de descontração. Naquele tempo as reuniões entre amigos eram de grande valia. Passavam horas e horas contando causos e dando risadas.
Estava marcado um ajuntamento para uma quarta feira do mês de maio, seria mais uma reunião normal, como de costume, sem nenhuma novidade, sem nada de especial a não ser pelo simples prazer de continuar com uma prática que quase se tornara sagrada : Fizeram um combinado para dançar catira. Mas no dia marcado para o encontro, um imprevisto impediu que os violeiros Adamantino e Clementino participassem da festa. Avisaram de última hora, porque bem de tardinha uma de suas vacas de leite resolveu dar cria e não conseguia expulsar o bezerro, obrigando a buscarem um veterinário. Por conta disso a cantoria e a dança catira foram cancelados. No entanto, a reunião continuou marcada, afinal tinham muitas histórias para contar. O Sr José Fortunato ficou um pouco desapontado com a ausência dos dois amigos, mas contornou a situação com maestria, como sempre fazia nos momentos críticos. Assim que o pessoal ia chegando, ele se dirigia até a entrada da casa e cumprimentava a todos indistintamente, convidando-os a se acomodarem nos bancos de peroba espalhados pela grande varanda.
- Pessoal, sejam todos bem vindos! E não há necessidade de dizer que vocês são todos bem vindos, já são todos de casa também. Pena que não teremos cantoria e nem a nossa dança favorita , mas acho que a gente agüenta esperar até a semana que vem. Vamos prosear e tomar uns goles de vinho para esquentar do frio. Lá fora a escuridão tomava conta de tudo e abria caminho para os vaga lumes se destacarem com suas luzes verde esmeralda, fazendo zigue-zague na imensidão.
A prosa seguia animada com muitos casos variados. A certa altura, o Sr. Francisco, vizinho mais chegado do seu Fortunato, fez uma pergunta:
- O Fortunato, o pessoal mais antigo contava muito caso de assombração. Era a tal da mula sem cabeça, cabrito andando em cima do telhado, você chegou a pegar esse tempo?
- Eu nunca vi, mas meu pai contava muitos casos que ele mesmo chegou a ver: Falava que na casa do meu avo acontecia coisas muito esquisitas. Contava também que às vezes quando iam dormir e, mesmo com as portas trancadas, de repente escutavam um barulho como se fosse uma manada de carneiros entrando pela casa a dentro, fazendo um ruído medonho dos cascos tocando a madeira do piso. Acendiam as luzes para ver o que era e simplesmente não viam nada. Tinha também o caso do carro de boi. De madrugada todo mundo acordava assustado com o barulho de um carro de boi que descia a serra gemendo, parecendo estar muito pesado. E a medida que se aproximava da fazenda, seu barulho aumentava tanto, que doía os ouvidos. Mas de repente silenciava completamente, deixando todos de cabelos arrepiados.
- Ufa! Ainda bem que não peguei esta época, Deus me livre e guarde! A certa altura da conversa Euzébio resolveu contar suas vantagens:
Eu não tenho medo de assombração não. Se aparecer na minha frente pego ela pelos chifres, pode ser o que for. Seu sogro interveio :
- Se fosse você tomaria mais cuidado com o que fala. Com estas coisas não se brinca.
Mas ele insistiu:
- Que nada! Tudo isso é bobagem. Falam de um cachorrinho que aparece e desaparece na estrada, de um cavaleiro que monta em sua garupa. Não me assusto com nenhum deles. A conversa seguiu até altas horas da noite. Depois de muita prosa serviram um café acompanhado de biscoito e broa de pau a pique. E então cada um foi para sua casa.
Celina e Euzébio se despediram de seu Fortunato e desceram. E já estavam quase indo dormir quando Euzébio se lembrou que tinha deixado uma porteira aberta e desceu para fechá-la. Celina por sua vez, também se lembrou que não tinha recolhido a roupa do varal e então subiu até o terreiro da casa de seu pai, onde pendurou muitas roupas lavadas naquele dia. Euzébio fechou a porteira, verificou se estava tudo bem com os bezerros apartados e voltava para casa quando viu um vulto branco parecendo um fantasma, que vinha descendo e flutuando em sua direção. Começou a tremer, as pernas bambearam, levou a mão no peito e exclamou: " Ai meu Deus" e simplesmente desmaiou. Cecília vinha caminhando quando viu alguma coisa estendida no chão. Ficou desesperada e chamou pelo pai que veio correndo:
- O que aconteceu minha filha?
- Não sei não pai. Ele tinha saído pra fechar uma porteira que tinha esquecido aberta . E eu subi para recolher a roupa do varal. Acho que ele me viu descendo com o monte de roupa e pensou que fosse assombração.
Seu pai a pegou pelo braço se afastou para um canto e falou baixinho :
- Foi só um susto, logo ele volta. Vá lá dentro e esconde a roupa dentro da caixa para que não veja. Não conte nada a ele, deixe pensar que realmente era assombração. Quem sabe assim ele aprende e deixa de contar papo. Pegue um pedaço de algodão molhe com álcool e aproxime do seu nariz que logo volta a si.
Mas nem precisou do álcool, Euzébio recobrou o ânimo e parecia muito assustado. Levantou rápido, bateu com os braços na roupa para limpá-la do capim molhado de orvalho.
- Meu bem o que aconteceu?
Ocê me assustou desmaiando assim sem mais nem menos.
- Estava voltando do curral quando vi um fantasma na minha frente, um negócio esquisito, branco, vindo na minha direção. Mas como vocês ficaram sabendo do meu desmaio?
- É que você gritou ai meu Deus, então corri para ver o que era. Seu sogro se aproximou e falou seriamente:
- Euzébio, que este acontecimento te sirva de lição, para que deixe de ser papudo e contador de vantagens. Seja mais humilde. Quando a gente tava falando de assombração ficou contando vantagens. Quem sabe agora você toma jeito. Enquanto o sogro falava, Euzébio saiu andando em volta a procura do chapéu perdido em meio a escuridão.
- Tá bom, tá bom. Agora vamos dormir que já é tarde. Depois de alguns meses, numa daquelas tardes preguiçosas, quando já estavam livres dos afazeres diários, Celina e Euzébio estavam sentados na grama que se estendia até a beira do lago e observavam os patos nadando bem tranquilos. Celina então falou para Euzébio:
- Benzinho! Tenho um segredo para te contar?
- Ah é? Então conta uai.
- Ocê vai ser papai.
- É sério! Mas que noticia boa demais da conta!
- Já estou de três meses.
- Posso te contar um segredo também?
- Pode uai.
- Sabe aquela vez que desmaiei de medo quando vi um fantasma?
- Ora essa! Como vou esquecer aquela cena te vendo todo esticado no chão!
- Pois é. Descobri que não era assombração coisa nenhuma. Ocê e seu pai inventaram uma história e eu cai direitinho.
- Ah é? Posso saber por que foi uma armação?
- Descobri tudo o que aconteceu. Ocê foi recolher a roupa do varal. Ocê era o fantasma. Sabe como descobri? No dia seguinte bem cedinho, fui procurar um par de meia e encontrei só um pé. Então coloquei outro par, calcei as botas e sai. Quando subia para a casa do seu pai, encontrei o outro pé de meia caído no chão. Caminhei mais um pouco e encontrei uma cueca. Dai foi só ligar uma coisa com a outra e descobri que meu amorzinho e meu sogro são dois safadinhos, que tentaram me enganar.
- Ora essa amor! Mais respeito comigo e com meu pai viu! E por que que só agora está contando?
- Não queria estragar a festa de vocês.
- Seu bobinho, vou te jogar dentro desse lago agora mesmo quer ver. Celina pegou pelo pé de Euzébio e o arrastou para o lago cheio de patos, mas ela também acabou caindo junto com ele, provocando o maior barulho com o deslocamento das águas e foi pato voando para todos os lados.