O Rei da Comédia

- E quantos filmes o senhor já dirigiu, Sr. Blakeley? - Indagou George, enquanto o interpelado fazia sinal para um táxi que passava naquele momento.

- Nenhum - replicou Blakeley encarando-o por sobre os óculos e sorrindo. - Ainda.

Acomodaram-se no banco de trás do veículo. Blakeley passou as instruções ao motorista:

- Esquina de Albany Street com Marylebone Road, por favor!

- Esquina com Marylebone... é na "Casa de Friswell", por acaso? - Indagou o taxista, olhando para trás.

- A "Casa de Friswell" ainda existe? - Admirou-se o rapaz.

- Não mais - informou o motorista. - Por isso mesmo é que estou perguntando se estão indo para lá.

- Por favor, apenas faça o seu trabalho - exasperou-se Blakeley. - O Sr. George Formby é um homem bastante ocupado, da mesma forma que eu!

O taxista, sem se impressionar com a descompostura, virou-se completamente para trás, encarando George.

- Você é George Formby, o comediante? Ele não morreu em 1921?

- Filho dele - identificou-se o rapaz.

- Ah, sim. Agora entendi - redarguiu o taxista balançando a cabeça. - Você é igualzinho a ele, impressionante!

E dando partida no veículo:

- Mas sabe fazer o John Willie, como seu velho fazia?

- Isso o senhor poderá conferir no filme que o Sr. Formby vai fazer comigo - atalhou Blakeley. - Agora, por favor, concentre-se em dirigir!

- Então é um filme com John Willie... - ponderou Formby. - Bem, eu não deveria estar surpreso. Era o grande sucesso do meu pai.

- E seu também - elogiou-o Blakeley. - Sim, o filme em que estou pensando é praticamente uma reedição das suas apresentações de "music hall"; parece-me mais fácil, para um comediante sem experiência em cinema.

- E certamente mais fácil para um diretor iniciante - alfinetou George.

Blakeley ajeitou os óculos, embaraçado.

- Será um novo começo para todos nós, essa é a verdade.

O táxi havia entrado na Albany Street e pouco depois avistaram o imponente edifício de tijolos vermelhos, com seus arcos e torres falsas, onde há alguns anos funcionara o maior revendedor de automóveis do Reino Unido, a "Casa de Friswell". A construção de cinco andares estava em parte desativada, mas Blakeley informou ao taxista que parasse em frente à uma oficina mecânica, que ocupava um dos cantos do edifício.

- É aqui! - Informou o aspirante à diretor.

- O seu estúdio fica nesta garagem? - Indagou Formby, incrédulo.

- Em cima dela - disse Blakeley, apontando para o andar superior, onde se viam as janelas do que provavelmente havia sido um depósito não muito tempo atrás.

- Eu vou querer ver esse filme - riu o taxista, ao receber o pagamento pela corrida. - Aposto que vai ser... uma comédia!

- Será! - Afirmou Blakeley, furibundo. - E também um sucesso!

Desceram do táxi, que saiu em disparada logo em seguida. Da oficina, veio um mecânico, sujo de graxa, limpando as mãos numa estopa encardida. Tocou na aba do boné em saudação.

- Sr. Blakeley... pretende filmar hoje?

- Não, Tom - tranquilizou-o o diretor. - Só vim mostrar o estúdio ao nosso novo contratado, o Sr. George Formby.

- Ainda bem, estamos com muito serviço hoje - agradeceu o mecânico. - Me chame se precisar de alguma coisa.

George, que acompanhara a conversa intrigado, não se conteve e perguntou:

- Por que o mecânico precisa ser avisado se vai filmar ou não, Sr. Blakeley?

O diretor ajeitou o chapéu na cabeça, antes de responder:

- A oficina faz muito barulho, meu rapaz.

E como George continuasse sem entender, justificou, constrangido:

- Meu estúdio não é à prova de som. Se eles não pararem de trabalhar durante as gravações, ninguém escuta nada lá em cima!

George suspirou; onde viera se meter? Mas já que estava ali, seguiu Blakeley escadas acima, até o assim denominado estúdio. Quando o diretor abriu a porta que dava acesso ao antigo depósito, verificou que este poderia mesmo servir de estúdio - para um pintor ou escultor, talvez. Difícil imaginar como alguém iria produzir um filme de longa metragem naquele espaço reduzido.

- Há jeito para tudo, meu rapaz! - Declarou Blakeley. - Não vamos filmar um número de dança com 50 coristas... basta um projetor em cima de você, sozinho no palco... e trevas ao redor. Ninguém vai perceber como esse espaço é pequeno!

Por incrível que pareça, o truque deu certo.

- [17-01-2020]