Garimpeiros.

O menino à beira do filão foi um dos primeiros a ver o barranco ceder e soterrar cerca de 5 ou 6 garimpeiros. Se assustou com o estrondo, a ponto de soltar das mãos a bacia de plástico que levava cheia de laranjas pra vender aos garimpeiros.

Perdeu a maioria das frutas... As que caíram no abismo de quase 50 metros estavam longe de seu alcance. Quase se jogou no precipício, tentando pegar suas laranjas, pois sabia que teria que prestar contas com a patroa. Apanhando as que restaram e limpando-as na bermuda suja de barro, o garoto viu homens subirem o barranco, trazendo 4 cadáveres, e estirá-los no chão à sua frente.

Foi uma cena chocante pra alguém com pouco mais de 11 anos de idade.

Em meio àquela tragédia, sua presença quase nem era notada. E ele ali, estático, com a cena dos garimpeiros mortos e preocupado com suas laranjas.

Ninguém o notava...

Na manhã chuvosa do dia seguinte, os homens foram sepultados no cemitério improvisado aos arredores da pequena vila de garimpeiros.

Ali ninguém tinha parentes, eram homens do mundo, aventureiros... alguns estavam ali se escondendo da justiça.

Não houve choro, não houve rezas, apenas lamentações, exclamações de decepção por parte dos companheiros de trabalho.

E o garoto estava lá. Dessa vez, sem sua bacia de laranjas, solitário, como se fosse invisível. Ninguém notava sua presença...

Terminado o ritual, alguém lembrou que tinha o endereço dos parentes de um dos mortos, e disse que seria sensato lhes enviar uma carta relatando o ocorrido.

Só aí o garoto das laranjas foi lembrado, pois além de ganhar a vida vendendo frutas, sonhos caseiros e bolos, ele era o escriba da comunidade. Apesar da pouca idade, era o único alfabetizado entre aqueles homens rudes, desprovidos de qualquer tipo de cultura. Seu único elo com o mundo exterior...

E eu fiquei incumbido, encarregado da tarefa de dar a má notícia à família do interior do Piauí.

E o fiz da forma mais humana possível...com apenas 11 anos.

Chico Rabelo.