LEITE DERRAMADO
 

O terreno de esquina dava para 3 ruas. Na frente, para a Av. Salomão Carneiro de Almeida, ficava a construção principal. Uma casa de dois andares, de alvenaria. No andar de cima morava a família de Seu Felisbino, na parte inferior ficava sua loja de tecidos. Nos fundos, com frente para outra rua, o barracão onde duas empregadas tiravam o leite e o vendiam aos fregueses no portão. Como o terreno era bastante grande, ele criava ali algumas poucas vacas que lhe davam uma renda extra com o leite.

Naquele tempo, final da década de 1950, início dos anos 1960 era assim que a pequena cidade do interior de Santa Catarina se abastecia de leite. E não era só o Seu Felisbino que se dedicava a esse negócio, havia outros produtores.

A entrega do leite produzido pelas vacas de Seu Felisbino não ficava longe de nossa casa, 4 ou 5 quadras, e era eu, por ser a mais velha das crianças, que ia, invariavelmente, todos os dias, bem cedo, buscar 2 litros para o café da família, antes de ir para a escola.

Não lembro minha idade mas creio que andava pelos 12 anos. Como toda criança eu também cometia minhas daninhezas. Uma vez lá vinha eu com os dois litros de vidro cheios de leite. Já me aproximava de casa quando passei por uma moradia em obras. Os operários tinham terminado apenas o meio fio e a calçada, propriamente dita, não existia. O que havia era um buraco que seria preenchido com entulho e terra para se fazer o passeio.
Decidi caminhar por aquele precário e estreito meio fio. Não deu outra, caí e rolei para o buraco. Os dois litros se quebraram em muitos pedaços e o leite voou para minha roupa e meus cabelos. Cortei as duas mãos nos cacos afiados e fui para casa chorando, suja e pingando sangue.

Meus pais ficaram assustados com a minha aparência. Fizeram curativos e enfaixaram minhas mãos.

Naquele dia tomamos café preto e não fui para a escola. Me doeu mais que o ferimento não ter cumprido com minha obrigação. Dali em diante continuei indo buscar o leite, agora em uma vasilha de alumínio com tampa bem fechada e passando longe daquele maldito meio fio.




 

Aloysia
Enviado por Aloysia em 12/01/2020
Reeditado em 19/09/2022
Código do texto: T6840175
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