O Lobo Guara e Eu

 
Outro dia, dormia o terceiro sono. Eram cinco horas da manhã. Estava tão bom que parecia doce, quando acordei com minha esposa me cutucando as costelas:
- Acorda, Antônio! Acorda homem, e vai ver o que tá acontecendo com as galinhas.  Elas tão cacarejando e parecendo assustadas.
Custei a acordar. Nem queria acordar.  Estava bem quentinho debaixo das cobertas e fazia um frio danado, mas a Clarice, quando invocava com alguma coisa, não tinha jeito. Com muito esforço e contrariado, acabei cedendo aos seus apelos e me levantei.  Meio zonzo e sonolento, encontrei a porta da sala e sai resmungando.
Ainda estava meio escuro, era mês de junho e, por isso, o dia demorava a dar o ar da graça. Caminhei até o galinheiro que ficava a uma distância de uns trinta metros. Acendi o lampião e vi que as galinhas estavam todas lá. Contei todas: as frangas, as galinhas poedeiras, os frangos, as franguinhas, os pintinhos. Demorei a encontrar o galo, mas depois vi que estava no canto do poleiro.  Exatas 97 cabeças. Depois pensei:
- Gente, pra quem tem tanta galinha, não vale a pena deixar a cama e sair nesse frio doido!
Olhei ao redor e não vi sinal de nenhum bicho. Concluí, então, que poderia voltar para minha cama.
Quando voltava, dei de cara com o animal que rondava o galinheiro: Um lobo-guará enorme! Fiquei parado, trêmulo, olhando para ele e ele parado me encarava. Parecia que ambos não esperavam por aquele encontro e agora ambos não sabiam o que fazer. Fiquei tão atordoado que, às vezes, tinha a sensação de que se tratava de um leão.
Aquele olhar fixo me confundia.  E o pior é que ele estava próximo de casa, justamente onde eu deveria passar e minha esposa bem tranquila lá na cama! Pensei em chamar alguém, fazer algum sinal para espantá-lo, mas estava com medo e não sabia o que fazer. Aquele momento em que estivemos ali, estáticos, foi rápido, mas parecia uma eternidade.
Como o dia já começava a clarear, pude ver que era um animal muito bonito. Cabeça erguida, orelhas em pé, os pelos compridos num tom amarelado que se distribuía sobre seu dorso. As patas e o ventre eram pretos, as pernas finas e longas. Como pode um animal tão bonito ser tão solitário? Mas também pensava num jeito de me livrar dele.
Decidi, então, que a melhor maneira de sair daquela situação seria dar um grito enorme, como que um rugido. Assim o lobo-guará iria embora. Então enchi o pulmão, invoquei todas as forças que havia dentro de mim, ergui a cabeça e dei um grito, um berro, talvez um grunhido horrível, um som forte que nem eu conseguia entender o que era. O lobo-guará se assustou de tal maneira que, num relance, pulou a cerca e sumiu no cerrado. Minha esposa acordou e saiu para ver o que era. Até o vizinho do sítio ao lado saiu no quintal para ver do que se tratava. Finalmente entrei em casa e contei para a Clarice sobre o lobo. Expliquei que aquele grito horrível foi usado para espantá-lo. Troquei de roupa, lavei o rosto, tomei o café e fui trabalhar.
O lobo-guará não pegou as galinhas, mas eu peguei um resfriado muito forte e fiquei três dias de casa, sem poder trabalhar. Dali em diante nunca mais me levantei para acudir às galinhas. Decidi que reforçaria o galinheiro, aumentaria a criação para dar alimento também ao lobo-guará. Afinal, ele certamente gosta muito de carne de galinha, da mesma forma que eu estimo muito um bom sono e uma cama bem quentinha.

 
Samuel araujo
Enviado por Samuel araujo em 03/11/2019
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