Preconceito, sentimento inferior

João, um funcionário simples, trabalhava tranquilamente como arquivista numa grande indústria de metalurgia em São Paulo.
O diretor comercial, um arrogante descendente de italianos, passando por seu departamento, o viu trabalhando e ao mesmo tempo escutando seu mp3. Não gostou. Chegando à sua sala perguntou para a secretária.
- Quem é aquele negrinho que está lá no arquivo?
- É o João, senhor Remo.
“João ninguém”. – Pensou o diretor.
- Quem o contratou? Parece um pouco velho para a função.
- Ele é terceirizado, senhor.
“Logo vi”. Pensou o diretor e mandou chamá-lo.
João viu na fisionomia do diretor que iria ter problemas com ele.
- Pois não, senhor?
- Não lhe pago para escutar música.
- Não estou escutando música, senhor. Estou estudando francês.
Remo não se conteve e quase perdeu o controle, todavia continuou com a entrevista.
- Entendi bem? Você disse estudando?
“Estou diante de um racista safado. Tenho que tomar cuidado para não ser despedido antes do tempo”. – Pensou o João.
- Entendeu sim, senhor. Parece que passei da idade, mas eu ainda estudo.
“Um crioulo de nome João e estudando francês. Onde já se viu isso. Deve estar treinando para gay”. – Pensou Remo.
- A quem você quer enganar?
- Há ninguém, senhor. Pretendo me formar este ano. Só faltam seis meses e essa prova é muito importante para completar meu curso e poder lecionar. Serei daqui uns dias um professor de francês também.
Remo estranhou a explicação do funcionário de que seria também professor de francês e sem nenhuma razão praticamente o escorraçou de sua sala, e à sua secretária recomendou:
- Quero que fique de olho nesse crioulo, qualquer deslize ou erro da parte dele já sabe; rua com ele e seu mp3.
Mas nada como o tempo para que as coisas se acomodassem e João conseguiu com sua simplicidade e a ajuda dos colegas, continuar trabalhando normalmente, só saindo da empresa no final do ano, quando se formou.
O tempo passou e tudo caiu no esquecimento após sua saída.
Meses mais tarde, Remo precisou fazer um curso rápido para falar alemão, pois iria ser transferido para trabalhar em uma das filiais da empresa na Alemanha. Qual não foi a sua surpresa. No primeiro dia de aula encontrou-se com João no curso. Fingiu não reconhecê-lo afinal não lhe agradava nem um pouco compartilhar aquele espaço com um ex-subalterno e ainda por cima negro.
João, que estava sentado em uma carteira no corredor aguardando a chegada dos alunos, depois de algum tempo levantou-se e entrou na sala de aula. Observou a todos os presentes como se estivesse a contá-los e dirigindo-se agora à turma falou com voz firme.
- Bem, acredito que todos já tenham chegado.
Como era o primeiro dia de aula ninguém ainda se conhecia, por isso ficaram calados aguardando os acontecimentos.
- Meu nome é João e sou o professor de vocês. Podemos começar? – Falou em alemão.
“Se me lembro bem, naquela época ele disse que estudava francês”. – Remo pensou cheio de preconceito.
Remo quase sofreu um infarto, neste dia em que iniciou seu curso, ao constatar que João, o empregadinho negro que ele tanto menosprezara, era agora o seu professor de alemão e que dele dependeria em muito para o seu sucesso no exterior.
Fernando Antonio Pereira
Enviado por Fernando Antonio Pereira em 18/10/2019
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