O MUNDO É PRETO

Acordei e não estava no mundo, estava num lugar escuro e pegajoso, cheio de lama, com um forte cheiro de querosene, não escutava nada, era um silêncio profundo, tentei respirar e me afoguei em vômitos, pensei, seria melhor me acalmar, aquilo não estava acontecendo, era um sonho, tentei ver meu corpo e não via, somente lama, voltei aos pensamentos mais profundos, pensei em lugares fabulosos que tinha ido, pensei em cachoeiras e o som das águas, fui para a proa do barco e naveguei em busca do sol, que tocava o mar, observei as gaivotas sobrevoando o infinito, ouvi o grito da baleia ao meu lado, tentei seguir pela trilha deixada nas ondas, e voltei ao inferno, a lama, não conseguia deixar de sentir o cheiro do alcatrão, foi ai que apareceu um espelho, bem na minha frente, era imenso, parecia uma tela do cinema, e eu estava lá, correndo pela caatinga, observando o gato maracajá, ele era rápido como um raio, voava sobre os espinhos de sabiá, e depois sumia pra sempre, eu tentava acompanhar e lá estava de novo cheio de piche, senti um leve molhar nos meus pés, como se chegando e voltando, enfim consegui abrir os olhos, ao meu lado um litro de alguma bebida, a boca com gosto de restos de comida, a cabeça rodava mais que roda gigante, por instantes escutei ondas quebrando, sentei na areia, ela era preta, eu tinha dormido na areia preta, tentei pegar na areia, mais só pegava em óleo duro, que formava uma luva preta nas minhas mãos, me levantei e olhei pro sol, ele era cinza, o mar era preto, o mundo estava preto.

O MUNDO É PRETO

FRED COELHO 2019