Não duvide, aconteceu na Bahia


Pense naquele momento que tudo o que você quer é... silêncio.  De repente, na frente de todos, um rascunho de madame tira o celular da bolsa e faz uma ligação.
– Oi, prima! Que dia vem me visitar?
– (a prima fala)
– Sim. Me visitar e conhecer a Tarsila. A Tarsila do Amaral. Ela chegou hoje. Mas meu marido não sabe de nada ainda. Acho que ele vai me matar quando entrar em casa.
– (a prima fala)
– Pois é, prima (...) ele me tirou daquela casa de três quartos, então, agora, se eu quiser colocar a Tarsila na cama, ele vai ter quer aguentar. A partir de hoje somos nós três – eu, ele e a Tarsila. Já comprei até roupinhas pra ela. Ela é uma graciiiinha!... Venha, prima! Talvez com a sua presença ele nem blasfeme tanto. E a Tarsila não corra o risco de ser despejada.

 (risos abafados no recinto)

– (a prima fala)
– Você achou o nome estranho, foi? É não, prima! É a Tarsila do Amaral... Coisa moderna e famosa. Um ex-vizinho meu tem um cãozinho chamado Gregório de Matos! Que você acha? É um nome forte, não é?  Eu já ouvi falar desse cara...

(a ligação cai)

Ela liga para uma amiga

– Amiga! Estou convidando meus amigos pra me fazerem uma visita e conhecer a Tarsila do Amaral. Também vou convidar um amigo nosso. Vou pedir pra ele trazer o Gregório de Matos, o cãozinho dele. Acho que a Tarsila vai gostar... O que você acha?

– (a amiga fala)
– Você está rindo? É verdade. Olha, esse Gregório de Matos é famoso. Esse cara parece que é da alta sociedade. Eu já ouvi muita gente falar dele... Parece que ele é do meio político.

(novamente, a ligação cai)

Ela tenta nova chamada sem sucesso. Já meio irritada, se vira para todos ali presentes, como se quisesse atenção, e faz o seu desabafo:
– Que povo estranho! Eu ligo pra falar da Tarsila do Amaral e ninguém se interessa. Não é qualquer uma, não! É Tarsila do Amaral... A famosa!...

Naquele instante, olhares e mais olhares se entrecruzaram. O silêncio era sepulcral. 

Quanto ao Gregório de Matos (1636-1696), talvez não o incomodasse tanto o fato de terem tomado o seu nome de empréstimo para um inocente cão. Porém, com certeza, lhe causaria um tremendo mal-estar (lá no túmulo) ao ser confundido com um político qualquer e, principalmente, atual. Ele, um intelectual baiano, que se inseriu na literatura barroca e tornou-se expoente da poesia satírica, devido a sua crítica ácida à sociedade da época, ficou conhecido como o“Boca do Inferno”. Não é de se estranhar que ele tivesse admiração pelos animais de quatro patas.