*A viagem dos sonhos

A viagem dos sonhos

O dia 19 de julho de 2019, se não for uma data para ser lembrada, também não deve ser esquecida. No dia seguinte, eu e mais dezesseis amigos iríamos ter a honra de ver um livro nosso sendo lançado na Academia Piauiense de Letras. Uau, que chic!!

Saindo de ônibus de Aracaju às 12h30m, eu chegaria a Teresina às 14h30m do dia seguinte, após vinte e seis horas de estrada e com uma margem de folga de mais de quatro horas. O problema era que a empresa que explora essa linha é do tipo que “às vezes chega, às vezes”.

A impressão que se tem é que o diabo não cochila. A parte dele nesse latifúndio sempre será cuidada com excelência. Sempre estará de atalaia, para agir no melhor momento.

O ônibus saiu no horário previsto, o que já daria para desconfiar, mas faltando cem quilômetros para chegarmos a Salvador, “deu um prego” parado. Acredite: Parado! Quando fomos sair de um ponto de apoio em Sauípe, simplesmente o câmbio “encavalou” na marcha à ré. Ora, se andar de frente já era uma proeza, imagine andar “dis costas!”

O primeiro problema na tarefa de pedir socorro era que nós estávamos numa área morta, cercada de buracos negros, apenas com sinal de uma operadora de celulares e isso não era de todo uma solução fácil. Para conseguir uma ligação do tipo “mais ou menos”, o interessado teria que subir numa mangueira de doze metros de altura, o que foi feito sem o menor grau de segurança. Depois teria que falar aos berros, o que, a julgar pela quantidade de decibéis dispendida, talvez nem fosse necessário celular!

Estando nós a cem quilômetros de Salvador e a duzentos e dezesseis de Aracaju, qual seria a solução mais racional? Com certeza, não seria pedir um carro substituto da garagem de Feira de Santana, a 173 km, mas foi exatamente isso o que fizeram e o que só ficamos sabendo depois.

Quando esse carro chegou, já acumulávamos um atraso de quatro horas e meia. Para todos os efeitos, eu não conseguiria chegar a tempo para o evento que me aguardava. Àquela altura, a maioria dos companheiros já estava em Teresina participando de um regabofe!

Daí em diante, comecei a ver as minhas possibilidades cada vez mais exíguas, pois só para a mudança de bagagens de um carro para o outro, foram gastos mais trinta minutos. Ninguém merece!

Abortei da passagem de ônibus no Terminal Rodoviário de Salvador, isso às 23h 40m, e já saí voando para o aeroporto, numa noite chuvosa, passando mensagens de WhatsApp, comunicando aos amigos a minha possível ausência.

Nisso, uma alma feminina que não sabia onde eu estava me ligou e disse:

- “Moza, pega um avião em Salvador. Eu pago as passagens. Quero você aqui amanha”.

Nossa, que pessoa maravilhosa, isso é que é incentivo!

Nesse exato momento, o meu táxi rodou na pista molhada, num giro de 360° e bateu no meio-fio contrário. Tudo por culpa de um ciclista que resolvera praticar malabarismo à nossa frente. Afora o susto, que não foi pequeno, nada de grave aconteceu conosco.

Para quem nunca esteve no inferno, o aeroporto de Salvador é uma boa amostra. Passagem comprada de última hora geralmente custa os olhos da cara e mais um dos rins, além de ser uma aquisição improvável. À meia noite, tudo para, e o movimento dos guichês só retorna às 2 horas. Neste ínterim, não se encontra ninguém que lhe preste alguma informação. Outro problema muito sério é que as informações da internet não batem com as dos boxes, nem de preços nem de rotas. Todos os voos que pesquisei para Teresina ou não tinham vagas ou eram voos longos, com conexões demoradas, com chegada prevista para depois das 20 horas, o que não me satisfazia.

Quando minhas esperanças já estavam se esvaindo como nuvens ao vento, meu ânimo foi sacudido pela mesma alma feminina que disse:

- Pega um avião para o Ceará, que em Fortaleza tem voo de hora em hora para Teresina.

Vale lembrar que minha odisseia já estava sendo compartilhada com todos os outros amigos que também se mobilizavam no sentido de conseguir um voo que me fizesse chegar a tempo em Teresina.

Foi assim que consegui uma passagem para Fortaleza com saída às 6 horas da manhã.

Pense num trem complicado e compare com aquele tal de “chek-in”! Vôte! Tive que fazer e refazer várias vezes, porque a máquina não me dava o comprovante do peso da mala. No bilhete de embarque, por sua vez, estava marcado que eu deveria me dirigir ao portão 3k, no térreo, e pegar um ônibus que me levaria até a aeronave.

Só que nada disse era verdade. Acabei descobrindo pelo autofalante que eu deveria me dirigir ao Portão 4, primeiro piso. E tudo isso acontecendo com o relógio disparado, engolindo o tempo!

Na inspeção da bagagem de mão, a minha sorte foi que eu estava com uma cueca novinha em folha. Fiquei quase pelado, de tanto que precisei tirar: moedas, sapatos, meias, celular, chaveiro, caneta, cinto, óculos... Para completar, ainda tive que ouvir de uma policial federal uma afirmação intimidativa, daquelas de arrepiar os cabelos do sovaco:

- Senhor, parece que teremos problemas e, nesse caso o senhor irá precisar de um excelente advogado.

- Oba! – exclamei com ironia - Finalmente, porque até agora só tive amenidades!

- O senhor poderia abrir sua mochila? O aparelho de raios-x mostra-nos algo parecido com uma submetralhadora, spray de pimenta e um quilo de pasta suspeita.

Não sei o que pensei naqueles milésimos de segundos, mas o certo foi que vi diante de mim mais cinco policiais estrategicamente postados. Senti-me como uma mosca diante de seis aranhas famintas. Como alguém poderia ter “plantado” tudo aquilo na minha mochila, sem que esta se tivesse desgrudado de mim um só minuto? Sinceramente, nem nos filmes de 007. Olhando bem, o kit estava completo.

Foi nesse momento que me bateu um pavor que deixaria qualquer um petrificado. Lembrei-me de ter pedido a uma senhora de idade avançada para olhar minha bagagem enquanto eu comprava um refrigerante. Ela já tinha examinado minha vida e sabia que eu me dirigia a Fortaleza. Só poderia ter sido aquela desgraçada que plantara a muamba em minha mochila.

Falei aos policiais:

- Vocês estão enganados. Eu sou inocente.

- Ah, é?! A cadeia está repleta de inocentes – disse-me ela.

Abri o zíper da mochila e, para surpresa deles e meu alívio, tinha um secador de cabelos, dois sprays sendo um fixador de penteado, um creme de barbear e um tablete de doce de leite de que eu comprara no aeroporto, para destrocar dinheiro. A policial passou pelo menos vinte segundos para se certificar que um dos sprays era mesmo fixador de cabelos. Certamente que não foi por ignorância, mas talvez para ver meu nervosismo.

Às 07h30m, eu desembarquei em Fortaleza, após noventa minutos de voo tranquilo.

Todos os meus voos anteriores foram problemáticos, todos. Não sinto saudades de nenhum deles. Já tive que andar a pé na Amazônia, à noite, em terras de índios Gaviões, porque o helicóptero não levantou voo. Já vi um avião monomotor Piper quase se incendiar comigo dentro, num voo de Santa Inês para São Luís do Maranhão. E de outra feita, voando num Douglas DC-2 de Belém do Pará até a cidade da Parnaíba no Piauí, tive que desistir da viagem em São Luís, pois os motores estavam pipocando e eu tive um pressentimento de que o voo não teria final feliz.

De Fortaleza para Teresina só havia um voo e, assim mesmo, às 16h40m. Quando questionei à famosa alma feminina, ela saiu da reta e respondeu:

- Eu disse que de hora em hora tinha ônibus...

Bem, de ônibus seriam mais quinze horas de estrada. Assim, passei nove horas da minha preciosa vida, arrastando uma mala e uma mochila pelo aeroporto de Fortaleza.

Finalmente, a minha águia de aço pousou em Teresina após 55 minutos de voo sereno. Sereno?! Desci cego de um ouvido, manco de um “zoi” e surdo de uma perna, todos do lado direito do corpo. Pelo menos, o lado do coração estava salvo.

Depois de todos esses transtornos, só me faltava acontecer algum problema em um dos meus textos do livro a ser lançado. E acredite, aconteceu...