O Caipora
Seu Francisco nunca se cansava de contar suas aventuras e causos vividos no sertão baiano. A meninada adorava ouvi-lo e se encantava com sua maneira de narrar, parecia que as cenas passavam ali, na frente de todos, como num filme. Quando as histórias envolviam entes folclóricos e seus encantamentos, então, ninguém arredava o pé, até o final. E ele sempre encontrava um jeito de contextualizar a narrativa com um tom humorístico que prendia a atenção. Certa vez, dizia ele, morava numa fazenda lá para as bandas de Santana dos Brejos, no sertão baiano. O caminho para a cidade cortava uma mata onde, segundo os moradores mais antigos, vivia um caipora. De acordo com o folclore brasileiro, o caipora é um ser encantado que vive nas matas, protegendo a fauna e a flora. Nada era capaz de matá-lo. Vez ou outra, já no meio da mata, algum morador dali era abordado pelo dito cujo, que exigia um pedaço de fumo para o seu cigarro. Se a pessoa não tivesse o fumo, levava uma surra e ainda ficava dois ou três dias perdido na mata, sem encontrar o caminho de volta. Zé Firmino era um peão dos bons, corajoso, bravo, matava onça no tapa. Nunca se separava de sua carabina 28, dois canos, bem cuidada, jamais errara um tiro. Um dia teve que ir à cidade comprar alguns mantimentos. Arriou sua mula preta, colocou a carabina no coldre da sela e partiu. Na pressa de sair, acabou se esquecendo de levar o fumo. Quando percebeu o esquecimento, já estava no meio da mata, não dava para voltar. Carabina carregada, pensou consigo: --- Dizem que esse bicho não morre, se ele aparecer, hoje a gente fica sabendo. De repente, a mula começou a refugar, não queria seguir em frente e, numa rapidez incrível, um serzinho peludo, um olho no meio da testa, um pedaço de pau numa das mãos, salta no meio do caminho. Era ele, o Caipora. Desconfiado, ele se aproxima eriçando seus grossos pelos causando a falsa impressão de que era maior. Semblante fechado, ele pergunta pelo fumo. Zé Firmino consegue dominar a mula que tentara fugir e, mantendo a serenidade, diz:
--- Eu não tenho fumo, mas trouxe um cachimbo, se você quiser um trago... Desconfiado, o caipora aceita a oferta. Zé Firmino encosta os dois canos na boca do danado e puxa os dois pinguelos de uma vez só: --- Cabrummm. Quando a fumaça se dissipa, o caipora olha firme nos olhos de Zé Firmino e diz: --- O fuminho é fraco, mas é bom... pode ir embora. Num piscar de olhos, salta para o lado e desaparece na mata. Encabulado, Zé Firmino segue adiante pensando: --- Meu Deus, que diabo será isso!!!