BARÃO DE COCAIS

- Por que está chorando Inocência? Perguntou Dona Beatriz, uma baronesa de bom coração, ao ver a negra chorando atrás da tuia de café.

- Porque meu crioulinho está preso no tronco Sinhá!

Respondeu com voz chorosa aquela mulher sofrida, forte e guerreira.

E continuou: - Meu povo sofre sem merecê sinhá! Meu veio morreu de tanto apanhá!

Minha fia ficô prenha do sinhozinho! Teve que jogá o coitadinho no rio. Meu fio é a quarta vez que vai pu tronco. E a sinhora quer que essa preta véia ainda ri?O coração que bate atrais desses peito que tanto deu de mamá para meus fio e us da senhora, tá dilurido! Tá isfaquiado!

Meu fiu só deixô os bezerro iscapá, só isso sinhá!

Dona Sinhá, quando é que tudo isso vai pará?

A baronesa, senhora Beatriz, muito constrangida e solidária ficou sem saber o que falar e muito menos o que fazer, uma vez que sabia muito bem como era a índole de seu marido, o grande José Feliciano Pinto Coelho da Cunha, o Barão de Cocais. Um homem rude, sem sentimento, obcecado pela quantidade de café que a cada ano colhia, e dos litros de leite que a cada dia extraía na ordenha. Além da alta porcentagem que tinha no ouro das minas. Um avarento que não media conseqüências para conseguir o que queria.

O crioulo, batizado por Firmino do Prado, continuava preso no tronco, naquela tarde de sol de arrebentar mamona. Seu suor estava escorrendo naquelas costas negras, totalmente ensanguentadas, resultado das chibatadas.

Já era três horas da tarde quando Mocufu, um capataz puxa-saco do barão chegou ao terreiro da senzala onde se encontravam várias mulheres estendendo roupas no varal.

O sol ardia, a areia estava assando a planta dos pés do jovem Firmino, quando ele só sentia um líquido quente escorrer pelas costas. Mocufu o desamarrou e o negro se espalhou no chão.

A dor da injustiça era maior que a dor das chibatadas. Inocência chorava a dor filho e pedia à Nossa Senhora do Rosário que intercedesse por ele. Da sacada da casa grande, o barão de Cocais, assistia toda a cena à distância, alisando seu relógio de bolso, todo em ouro, com a mão esquerda e com a direita acariciava o cachimbo no canto da boca.

Dona Beatriz, a baronesa de coração mole estava se irrompendo de solidariedade, saiu à pressas pelos fundos da casa e correu até o centro do terreirão para prestar socorro a Firmino que já estava sem forças até para se mexer. Com panos molhados em água começou a curar os ferimentos alí mesmo.

Na senzala, dona Beatriz ajudou a mãe de Firmino ferida n’alma com remédios caseiros. E depois pagou o preço a seu marido por ser solidária a um crioulo. Passar o resto de sua vida dentro da casa grande fingindo viver um casamento feliz. Essa também tinha fibra nas veias!

Duas heroínas, cada uma ao seu modo.

Dois pesos praticados pelo barão.

Nossos sertões foram mesmo, uma terra sem lei.

Pena que isso ainda não acabou. Há muitos barões de Cocais disfarçados por aí.

Salve o povo de pele negra que suportaram tanta injustiça.

É isso aí!

Acácio Nunes.

Acácio Nunes
Enviado por Acácio Nunes em 29/11/2018
Código do texto: T6514964
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