O contador de histórias
E então, numa cidade litorânea distante e esquecida pelo mundo civilizado, nascia uma criança. Poderia ter sido só mais uma, e talvez, durante muito tempo, fora uma criança como outra qualquer. Mas algo dentro dele soava deveras diferente para passar despercebido. Aquele menino esquisito não conseguia pensar e agir como as outras crianças, pois algo extraordinariamente fantasioso crescia dentro de si: a sua imaginação assustadoramente exagerada.
Desde a mais tenra idade costumava sentar num banco da praça perto do mar para contar causos extraordinários que, de tão bem narrados, maravilhavam e divertiam o povo daquelas paragens.
Não demorou muito para ganhar notoriedade e tornar-se o maior contador de histórias de toda aquela região dos confins do mundo. Virou celebridade local. Todos queriam ouvir as histórias do pequeno prodígio. Aos dez anos de idade já era capaz de reunir dezenas de pessoas ao seu redor que lhe ouviam com satisfação. E era sempre uma história diferente. Algumas alegres, outras melancólicas, umas realistas, outras fantásticas, algumas de humor, outras assombrosas. Todas permeadas de uma emoção tão profunda, que ao término de cada narrativa, seus ouvintes saiam inebriados de encantamento e comoção.
O tempo implacável, entretanto, passou e passou e passou, e de tanto imaginar, inventar e criar passou a acreditar piamente em tudo aquilo que sua cabeça brilhantemente inventiva era capaz de suscitar.
Era tão bom contador, que aos poucos, foi construindo um mundo só dele, impenetrável, intransponível, um mundo em que só ele ditava regras, construía enredos e conduzia desfechos. E embora ninguém fosse capaz de enxergar além da sua carapaça de domador de palavras, a solidão devastadora adoecia-lhe o espírito.
Começou a sentir-se abandonado, embora sempre rodeado das mais diversas pessoas. Sempre tinha alguém para ouvir-lhe, mas esse mundo fantasioso o levou para uma outra dimensão, universo paralelo, longe de tudo e de todos. Tornou-se uma ilha habitada por seus horrendos monstros interiores. Por fora, calmaria. Por dentro, turbulências.
Aos quarenta anos começou a se dar conta de que sua vida estava passando e ele não tinha feito nada dela, a não ser contar histórias. Não estudou, não trabalhou, não casou, não teve um filho sequer. E suas histórias, que antes eram um refúgio para a sua alma, passaram a ser tomentos para seu coração solitário. No entanto, embora houvesse sofrimento a cada novo relato contado, ele não conseguia deixar de proferir palavras que vinham direto de seu ser poeticamente perturbado.
Aos oitenta anos ainda sentava todos os dias no banco da mesma praça perto do mar, sentindo a brisa esvoaçar seus ralos cabelos brancos, com pessoas diferentes a cada dia, fazendo o que sabia de melhor: contar e criar contos e causos esplendorosos.
Agora, mais cansado e velho, sempre apoiado em sua fiel bengala, vivia a sua triste solidão, preso num imenso mundo imaginativo de loucura, enclausurado por suas próprias ideias, palavras e pensamentos fabulosos.