Gàidhlig

Os produtores estavam tão certos de que "Brisa, a Filha do Vento" iria bombar nas bilheterias, que me deram autorização para filmar parte das externas nas locações originais da história. Portanto, em vez de rodar inteiramente em Gramado ou Campos do Jordão, juntei minha equipe e fomos para as Terras Altas da Escócia. Obviamente, como tratava-se de uma produção modesta, a estadia não poderia exceder duas ou três semanas... e teríamos que contar com a sorte, pois o clima escocês era conhecido por ser imprevisível.

E assim, com minha equipe técnica e meia dúzia de atores, nos despachamos para Kilmartin, um vilarejo no oeste da Escócia, próximo à vários sítios históricos que poderíamos aproveitar como locações, inclusive o castelo Carnasserie. Lá nos reunimos à equipe de produção local, e em nosso primeiro dia no hotel, fomos surpreendidos por um temporal - apesar de junho ser teoricamente um dos meses mais secos do ano.

- Isso é verdade - confirmou Hùisdean MacIlleGhuirm, nosso principal guia e motorista escocês. - Em maio e junho chove menos... mas na Escócia chove quase todo dia, exceto no inverno...

- Não chove no inverno porque neva, não é? - Indagou Felipa Martins, a atriz portuguesa que havia sido escalada para viver a Maga Julienne, antagonista de Brisa.

- Acertou em cheio, senhorita - aquiesceu MacIlleGhuirm. E, num tom tranquilizador:

- Mas, não se preocupem. Amanhã teremos sol pela maior parte do dia... será perfeito para filmarem nas locações próximas ao Loch Awe.

- Você vive aqui há muito tempo, Hùisdean? - Indaguei.

- Praticamente minha vida inteira, senhor.

O escocês deveria ter cerca de quarenta e poucos anos. Pareceu-me idade suficiente.

- Bom, creio que teremos que confiar no seu julgamento - concluí.

* * *

O dia seguinte amanheceu esplendoroso: céu azul e temperatura amena, perfeito para filmar a procissão ao castelo Carnasserie, cena que marcaria o segundo ato do filme. Começamos bem cedo, com trinta figurantes a cavalo em trajes medievais, e quatro dos nossos atores, incluindo Felipa Martins. Tudo saiu tão bem que ainda houve tempo para rodar o desembarque de Brisa às margens do Loch Awe, ao cair da tarde. Estávamos já recolhendo o material para voltar ao hotel em Kilmartin, quando começou a chover.

- Parabéns, Hùisdean! - Comentei ao entrar no Land Rover da produção. - Fez sol pela maior parte do dia... previsão 100% correta!

O motorista apenas sorriu modestamente.

- E amanhã, o que teremos?

- Chuva moderada pela manhã... provavelmente o suficiente para não atrapalhar as filmagens no castelo Carnasserie.

Presumivelmente o motorista não lera "Brisa", mas se chovesse, seria perfeito para filmar a fuga da protagonista do castelo onde era mantida prisioneira. E eu nem precisaria utilizar o recurso da chuva artificial, o que baratearia o custo da produção.

- Cinco libras se o seu prognóstico estiver correto! - Exclamei.

- Grato, senhor!

Deu a partida e seguimos para o hotel. Ao chegarmos, instruí o montador para começar a trabalhar imediatamente nas cenas filmadas durante o dia.

* * *

O terceiro dia amanheceu com chuva moderada - exatamente conforme previra o motorista. Conseguimos filmar sem grandes percalços e de vários ângulos, a cena da fuga de Brisa, no cavalo preto roubado de Julienne. Ao fim dos trabalhos, puxei da carteira as cinco libras prometidas na véspera. Para minha surpresa, MacIlleGhuirm recusou-se a receber.

- Não seria justo, senhor.

- Mas você acertou as previsões!

O motorista abriu o porta-luvas do Land Rover e exibiu um tablet de 7".

- Essa é a minha mágica, senhor. É através dela que prevejo o tempo do dia seguinte...

Fiquei calado, pensando em como fora idiota ao imaginar que o motorista previsse o tempo pela dor no joanete ou coisa parecida. Em seguida, peguei a mão dele e soquei a nota de cinco libras nela.

- Pela sua honestidade, Hùisdean.

E mandei tocar de volta para o hotel. A temperatura caíra, e um uísque escocês cairia ainda melhor.

- [03-01-2017]