O SONHO DE UM CORONEL MACHISTA 34º EPISÓDIO

Reunidos no pátio a frente da casa grande na fazenda Bocaina estavam Venâncio, o coronel Tiburcio, sua esposa a filha Dusanjo, Maneco, Isaura, diversos escravos e escravas, mucamas, crianças, até o velho Miro que raramente saia de casa estava entre eles aguardando a chegada da carruagem de Morrinhos para a tão esperada viajem ao Bom Jardim, a fim de assistir o espetáculo circense com o boi pretête.
A bondosa e estimada escrava Inhá chica ansiosa para rever a irmã não cansava de perguntar a si mesma:
-- Será verdade que o coroné Certorio amuliceu seu curação de pedra; tem coisa nesse mundo qui inté Deus duvida tá bão dimais pra sê verdade num dá pra imaginá a carruage dos vilelas andano junto na mema istrada cum a dos Montinegro. É priciso de muita páis pra qui isso acunteça!
Quando a nuvem de pó vermelho da estrada levantada pelas patas dos cavalos cobriu o verde das pastagens, Venâncio deixou o grupo e foi até a porteira da entrada do curral ao encontro da carruagem cumprindo a ordem planejada pelo coronel Certorio.
Assim que os animais esbarraram na porteira, o pistoleiro posicionou-se na trazeira da carruagem abriu a gaveta por baixo de seu assoalho conforme estava orientado tirou as armas, colocou três delas no chão e apontando a quarta que tinha nas mãos para o interior da carruagem gritou:
Mão prarriba voismiceis treis qui tão aidento ninguém se mexam sinão leva bala. Coloque as amas da cintura e o cinturão de bala tumem no piso da carruage. Voismicê venha cá Prudêncio pega as arma qui tá no chão e na carruage, leva pra o coroné Tiburcio guardá. Vem cá Maneco ajuda aqui, trais as cordas! Terenço pode saí do monte de feno e aparecê, ieu vô dá pra voismicê a honra de amarrá esse mardito qui mim deu deiz conto de reis mode ieu te matá. Isaura cadê os vistido qui voismicê feis? Primero veste os treis de muié, pode sê purriba das ropas deze memo, pra isso cus vistido foro feito grande e cum largura, a mascra é mode infeitá o mardito do coroné. Ele sempre gostô de pisá nas muié vive dizeno qui muié tem de apanhá primero pra mode dispois pidi as coisa. Maneco ajuda o Terenço amarra as mãos deze pra trais. Oh gente fica voismiceis tudo sabeno qui Isaura é minha irmã vice, ela feis os vistido pra nois visti nesse mardito do coroné Certorio qui matô nosso pai e nossa mãe queimados pra tumá deze o pedacim de terra queze tinha pra mode vivê. Oia Terenço bota ai esse vistido istampado nesse mardito desse coroné de merda. Voismicê merece fazê isso, apruveita pra modi cuspi na cara dele. Ele é muito machão fala arguma coisa agora coroné, qui ieu vô te intupi a cara de chumbo. Meu nome Venâncio Venturini, já visse nun é Pedo Gerardo cunforme ieu te falei não, coroné de merda, agora qui seu prano virô rasto de pato na água, nois vamo apruveitá e leva voismiceis quinem treis cigana mode dançá pru povo do Bom Jardim o circo tá armado só farta as treis dançarinas. Disabafa cuele ai Terenço fala pra ele tudo qui tem vontade!
-Pois é né seu coroné pensô qui ieu tinha murrido afogado né mode fica cum a minha Jurema, voismicê é muito macho fala omeno merda agora ieu num murri não tô aqui vingano de voismicê coroné de merda. Aquela jaqueta qui voismicê viu lá ingarranchada naquela coivara tava era cheia de capim, imaginô qui era ieu né coroné de bosta.
--Ieu posso pidi pra voismiceis um urtimo favor Dentuço?
-- Dentuço não seu coroné de merda, dobra a língua ieu tem nome já visse meu nome é Venâncio Venturini!
--Intonse sinhô Venâncio Venturini fais o favor dá um tiro na minha cabeça, ma num mim leva pro Bom Jardim não é muita humilhação pra um coronel poderoso quinem ieu!
- Ieu sinto muito, ma voismicê foi poderoso num dá mode te atendê não, isqueceu qui tem de i lá mode casá o vosso fio Nicó cua fia do coroné Tenório, os jagunços dele nessa artura tão levano vosso fio qui tava preso na masmorra de vossa casa; num foi isso qui voismicê pranejô. Vamo simbora pessoá qui o coroné Certorio é pai do noivo num pode atrazá! Ah ota coisa essa mascra do capeta na cara é só na istrada na cidade o mardito tem mostra a cara já visse mardito!
Quando pegaram a estrada, a carruagem do coronel Certorio dirigida pelo Bastião, tomou à frente puxando aquele desfile cônico o boi pretête colado na sua trazeira vez e outra lambia a mão de Venâncio, que de arma em punho vigiava os treis prisioneiros vestidos de mulher. Ele que tantas vezes fugimos do boi antes de se converter, em seu plano agora sentia firmeza protegido por ele que o acariciava. A velha Mira que acompanhou Venâncio sentado ao seu lado em todo o trajeto não cansava de repetir:
--Ieu nun falei pra voismicê quesse boi adivinha tudo e sabe separá o qui é bão e o qui é mau ele sabe de tudo o quié mais mió e o quié mais pió!
Quando chegaram ao centro da cidade, Nicolau o dono do circo usando um funil gigante anunciou a chegada do boi pretête. Todo mundo queria aproximar dando vivas ao animal e a filha do coronel Tiburcio, que montava no seu dorço. Momento em que Venâncio confidenciou ao pé do ouvido de Nicolau o colocando a par da situação, e repassou a ele certa instrução pedindo que solicitasse da multidão um minutinho de silencio para anunciar uma surpresa.
--Senhoras e senhores prezado público a carruagem do grande e nobre coronel Certorio nos deu a honra em transportar diretamente da fazenda Bocaina três dançarinas para o espetáculo circense que daqui a pouco será realizado, venham todos ver como ficou hilário o coronel Certorio e seus dois jagunços vestidos de mulher se transformando em três ciganas dançarinas. Sabe por que isso aconteceu distinto publico, porque esse coronel tirano foi armado até aos dentes â fazenda Bocaina planejando cometer a maior e mais bárbara chacina, que se possam imaginar. Não sobraria pedra sobre pedra não fora à fé e a religiosidade cultuada pela devoção aos três Arcanjos “Miguel Gabriel e Rafael” seu plano era assassinar o coronel Tiburcio com sua familia e todos que lá trabalham. Mas o feitiço virou contra o feiticeiro, o tiro saiu pela culatra e esse senhor aqui, o herói Venâncio Venturini, cujos pais esse maldito coronel os matou queimados para tomar seu pequeno sitio, de onde eles tiravam o seu sustento. Deixando órfãos Venâncio e Isaura Venturini.
Fiquem atentos senhoras e senhores daqui a pouco o filho dele o Nicó preso numa masmorra em sua fazenda estará chegando conduzido por dois capangas de outro coronel que também é um tirano o coronel Tenório, que está aguardando sua chegada para casá-lo a força com sua filha Quintina, ela que também se recusa casar e afirma que gosta mesmo é de mulher e não de homem, está presa em um hotel vigiada pelo pai. Vejam a que ponto chega o fanatismo e ganância destes coronéis quer mandar até no coração dos filhos.
--Um momento senhor Nicolau que autoridade tem vosmecê para desacatar os coronéis de forma tão desafiadora e desrespeitosa como está fazendo? Aqui depois do coronel, mando eu, que sou alferes e juiz federal designado pela corte!
--Então senhor juiz respeite a lei da qual tu serves, e entenda que vosso direito termina no exato momento onde se inicia o clamor de um povo pisoteado por um coronel tirano, mau e perverso, que não mede esforço para massacrar os menos favorecidos tirando deles o pouco que possuem da forma mais criminosa cruel e bárbara como fez com os pais deste herói que o prendeu evitando que ele cometesse mais um massacre.
-- Eu exijo que liberte o coronel imediatamente, está a caminho de Bom jardim um intendente nomeado pela corte e não fica bem que ele encontre aqui o mais poderoso dos coronéis preso por um plebeu do pé rapado!
--Vá La então o liberte se é que tem tanto poder o pessoal só não o linchou por que Venâncio o mantém protegido no interior da sua própria carruagem.

 
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 30/12/2017
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