O SONHO DE UM CORONEL MACHISTA 33º EPISÓDIO


No dia seguinte, segunda feira antes do sol raiar Venâncio já subia o rio, quando Terenço chegou ao seu esconderijo o café estava passado e o desjejum pronto. Comeram juntos e partiu para atravessar o rio rumo ao trabalho.
Ao aproximar à hora marcada com o coronel Certorio, o pistoleiro voltou ao esconderijo, comeu feijão tropeiro com ovos fritos e levou o vasilhame utilizado. Assim que o coronel chegou, Venâncio o convidou a entrarem na canoa. Desceram cerca de trezentos metros lá estava uma coivara encostada numa curva do rio, quando o coronel viu aquela sena, com o balanço da água a coivara indo vindo, submergindo e voltando á tona. Com a voz embargada, muito emocionado, ele disse:
--Para ai Dentuço! Coitado de Terenço, tá vistido cua jaqueta qui dei pra ele de presente no seu aniversáro, pode vortá pra trais nun quero vê mais nada não!
-- Ah qué sim coroné, vai amarelá agora, o sinhô manda ieu matá o pobre inucente, agora treme vamo lá sim sinhô!
-- Vorta, vorta, quero vê mais nada não, vota qui mandano-, pobre Terenço!
Os dois Voltaram para o esconderijo, o pistoleiro recebeu sua outra metade da empreitada e disse ao coronel;
--Agora o sinhô vai lá no sitio e trais a muié dele aqui ieu vô contá pra ela quele teimô cumigo in atravessá o rio suzinho e a canoa virô ele morreu afogado!
--Ieu nun vô fazê nada disso-, voismicê vai lá disprende ele da coivara dexe ele afundá e i simbora rio abaixo. Quando ela dé pur farta i vié percurá pur ele, voismicê vai dizê quele nunca chegô aqui, intão nois vamo dizê qui foi uha onça que cumeu ele. Isso vai ficá muito mió. Pruque ela só vai dá pur farta dele na otra semana quando ele num aparecê incasa né memo.
--É pensano bem fica mió memo é uha boa ideia do coroné!
-- É purisso qui ieu sô o coronel Certorio, pru que tem cabeça pra pensá Dentuço-. Ma essa impreitada tá risurvida, num vamo mais pensá nela não. Vamo nois agora, é cuidá da otra. O circo chegô no Bom Jardim, onte quando cheguei incasa, o dono tava pidino orde pra montá o circo, diz qui a cidade intera tá arvoroçada, pra vê o mardito do boi do coroné Tiburcio. Qui tá tudo cumbinado qui a fia dele vai chegá lá muntada no mardito. Ieu tô fingino pru Nicó qui fiquei bãozinho qui tô arripindido de tudo ele pode fazê as pais cua famia Montinegro, vô cedê minha carruage pra ele levá Inaça mais bastião e as mucamas neta deze pra acumpanhá, a mardita levano o tar boi. Só qui na hora ieu vô prendê o Nicó na masmorra, só vai é ieu mais o dois homes, quié o Zeca Priá e o Tõe Pirdiguero. Os dois são capais de acertá até um musquito no iscuro, ma nun erra, um tiro! As armas pra nois fazê o massacre. Vai tá na gaveta in baxo na carruage. Voismicê vai tirá elas de lá e quando nois descê voismicê passa pra nois. Ma num é pra sobrá ninguém já visse, até o bastião qui vai tá cumo cochero é pra morrê tumém, pra num tê testemunha niuma. Voismicê intendeu bem ô ieu tem de ripiti?
--Nun pricisa, intidi tudo diriitinho. Ma e dispois nois vamo pradonde coroné?
Nois vamo pra o Bom Jardim, nessa hora La incasa casa vai tê dois homes do coronel Tenório ritirano Nicó da masmorra e levano ele pra o Bom Jardim pra casá cum a Quintina, o pai mais a mãe e ela já tão hospedado no hoter aguardano à hora do casório já tudo preparado. E voismicê vai cumigo pra lá, ninguém viu, vai ta tudo mundo morto, é pur isso qui num é pra sobrá ninguém vivo lá na Bocaina, e quem nois topá no caminho in nossa vorta, se topá; vai tê de morrê tumem. Agora bico calado, qui coronel Tenório num pode nem sonhá qui nois tivemo lá na Bocaina, ele tá quereno o casoro da fia dele cum o meu fio pra nois ajuntá nossa furtuna, nois já pranejemo tudo. Ieu contei pra ele qui ia sai mais cedo pra resorvê as pendença do cartoro e cum o padre tumém, qui era pur isso qui percisava dele mandá os homes dele buscá o Nicó!
--E esse tar padre fais esse casóro sem Nicó querê?
--Voismicê ainda num aprecebeu qui o coronel Certorio é quem manda no Bom Jardim Dentuço-, aqui ieu sô a lei, padre Gregório sabe disso meu trinta e oito já teve uha prosa cuele!
--Intonse tá cumbinado, o coroné pode fica tranqüilo qui do meu lado a peteca nun cai, assim qui ieu vê a carruage chegá tô La na trazera dela ritirano as armas, vai sê uha caçada danada de boa do povo da Bocaina.
-- Voismicê fais tudo diriitinho Dentuço qui o sitio do Terenço já é seu visse!
-- Ieu já tô inté sonhano cas duas mucama na cama coroné ieu no meio, uha dum lado, outra dotro lado, ieu quinem um surtão! Ma coroné isso num tá bão dimais pra sê verdade? Será qui vosso fio vai butá fé nu sinhô?
-- Vai sim Dentuço, ieu bati o juêio no chão lá outro dia e chorei implorano pra ele num i simbora ele acriditô diriitinho. Agora ieu chegano in casa já vô falá pra ele prepará inaça pra viage lá na Bocaina. A única durda é pra nois num errá à hora, ma vai dá tudo certo voismicê, num viu o Terenço cumo foi facim.
De fato o coronel para conseguir seu objetivo, se transformou em um verdadeiro ator. Inácia caiu direitinho em sua lábia e ficou irradiante com a possibilidade de se juntar a irmã e acompanharem Dusanjo no seu desfile conduzindo o boi pretête ao espetáculo circense. Em Bom Jardim a expectativa era grande, não se falava noutra coisa senão na estréia do circo. Bastião a mando de Nicó foi até a fazenda Bocaina falar com o coronel Tiburcio a respeito do que ocorria lá em Morrinho, embora com um pé atrás com aquela aceitação repentina do coronel Certorio, relatada a ele com detalhes pelo escravo Bastião, ele concordou que sua filha fosse acompanhada pela carruagem do coronel Certorio desde que Nicó fizesse parte e coordenasse a comitiva.
Tudo transcorria com a normalidade rotineira tanto em Morrinhos coma na Bocaina, apenas na cidade a movimentação intensa dava a impressão de festa de final de ano. A expectativa com a estréia do circo deixou a população em polvorosa.
Na Bocaina quando Venâncio chegou do mato, onde executava o trabalho de eliminação de erva daninha. O relógio de sol da fazenda marcava meio dia em ponto. No pátio defronte a casa grande o coronel Tiburcio conversava com Maneco, que no papel de cocheiro conduziria sua carruagem, os dois acertavam os detalhes da viajem para o Bom jardim previsto para as duas horas. Horário em que Nicó deveria chegar conduzido pelo o bastião, no papel de cocheiro trazendo sua mulher Inácia e suas netas que se juntariam com a irmã Inhá Chica, as mucamas suas netas e outras tantas que ocupariam as duas carruagens, a do coronel Certorio e do coronel Tiburcio, um acontecimento inédito, as carruagens dos dois rivais seguindo juntos dando o incrível pontapé inicial para acabar com a briga histórica e entrar numa era de paz e harmonia entre as duas famílias, Vilela e Montenegro. Será que o inacreditável iria acontecer?
Quando o pistoleiro Venâncio passou pela porteira do curral indo ao encontro do coronel Tiburcio pra prestar contas sobre o seu trabalho, ele deparou cara a cara com o boi pretête tomou um tremendo susto, mas não teve escapatória, trêmulo e sem ação limitou apenas a fechar os olhos e levantar os braços imaginando que seria esmagado por ele. O incrível aconteceu o animal num gesto de carinho lambeu seus braços e seu rosto e o empurrou levemente o levado até o coronel. Quando o pistoleiro abriu os olhos foi aplaudido com uma salva de palmas!
O velho Miro que acabava chegar de seu trabalho empalhando rapaduras exclamou:
Voismicê agora acridita no pudê qui tem a oração, ieu num falei qui quando voismicê cumessasse a rezá as coisa ia muda! E esse boi ia sê vosso amigo
Ficaram todos admirados, mas ninguém ali imaginava que em pouco tempo um grande acontecimento deixaria todos boquiabertos. Apenas o pistoleiro estava ciente e aguardava execução do plano diabólico armado pelo coronel Certorio, que àquela altura já estava a caminho, após deixar o filho preso na masmorra e frustrar a expectativa da pobre Inácia tendo ele assumido a carruagem preparada, por Nicó e obrigado seu escravo Bastião a conduzi-lo junto aos seus dois capangas, Zeca Priá e Tõe Perdigueiro para executar a chacina programada na fazenda Bocaina aonde o pistoleiro o aguardava.
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 22/12/2017
Reeditado em 22/12/2017
Código do texto: T6205643
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