O SONHO DE UM CORONEL MACHISTA 32º EPISÓDIO

Segunda feira de manhã na fazenda Morrinhos, os escravos estavam todos apreensivos, por ordem do coronel na noite anterior, nenhum saiu da senzala até aquele momento. Antes de qualquer atividade ele entrou no refeitório acompanhado pelos dois novos capangas e o filho Nicó. Ordenou que todos se assentassem. Embora ele fosse um péssimo senhor de escravos, sua senzala era bem equipada, a comida era farta e nutritiva.
Na sua teoria escravos eram como os animais bem tratados produziam mais. As diversões eram terminantemente proibidas, eles só trabalhavam não se divertiam como gostavam e queriam. Os castigos eram severos, os piores que se possam imaginar. Todos assentados às mesas ele apresentou os dois homens.
--Esse aqui é o Zeca Priá vai ficá no lugá de Barba Ruiva administrano os trabráio e cuidano do tronco e da chibata, e esse Oto aqui é Tõe Pirdiguero. Sabe o mutivo de chamá Tõe Pirdiguero? É pru ele farejá quando um iscravo tá quereno Fuji. Ninhum de voismiceis invente essa bestera de Fuji não pru que ele acha e sabe o qui fais, corta uha das zoreia da próxima veiz corta a ota, ele é mestre im curá zoreia cortada cum ferro quente pra qui o iscravo nun fáia de trabaiá. Se ninhum cumetê abuso nada acuntece ma se disobedecê já tão sabeno. Tamo intindido? Agora tudo mundo pru trabaio as orde de Nicó num muda nada, ma o pirdiguero vai passa o dia vijiano tudo mundo. Agora voismicê Nicó mim acumpanha ieu quero tê uha prosa cum voismicê mais inaça lá na cuzinha.
Na cozinha da casa grande o coronel ordenou que as mucamas que lá trabalhavam se retirassem ficando apenas, Inácia e Nicó.
--Essa prosa aqui é só cum voismiceis dois pur sê apenas os dois qui sabe do meu segredo, quié o diabinho qui ieu tem. A prosa qui tem pra dizê é qui ele mim conta tudo, ma parece qui voismiceis num acridita. Intonse ieu vô te contá. Voismicê teve lá na Bocaina quarta fera, prusiô cum coronel Tiburcio e cua fia dele acertaro qui assim qui acabá as diferença entre as famia os dois vãos casá. Na sua saída inté o Terenço ficô admirado falô qui era caso de butá no jorná um fio de coronel Certorio La na Bocaina. Quer qui ieu te conte mais ôh nun pricisa?
-- Percisa não meu pai-, ôh Inaça voismicê arrume minha mala pru favô, ieu vô chamá Isidoro pra mim levá lá no Bom Jardim, voismicê me fais esse urtimo desejo de dexá ele mim levá na vossa carroça pai? Aqui nun tem mais ispaço pra mim, fica ai cum sua riqueza e seu bicho asqueroso. Ieu mim arranjo prifirive vivê pobre, ma cum dignidade.
Quando o coronel sentiu na pele que filho estava disposto a abandoná-lo e que seu desapego aos bens materiais era realmente verdadeiro, ele cedeu. Pela primeira vez na vida, ele bateu de joelhos no chão e implorou:
--Nicó nun fais isso cumigo não fio, óia ieu to veio, só tem voismicê e mais ninguém, dispois qui voismicê tumô conta de tudo aqui as coisas tão ino cumo nunca tivero, os iscravo tão tudo rendeno mais e trabaiano sastifeito.
--Intão pru que contratô aqueze dois pra judiá deze cunforme acabô de falá indagorinha memo lá na senzala?
--Ma cumo voismicê viu se eze num cumetê nium erro num vai acuntecê castigo! Vamo fazê o siguinte fica queto aqui qui é o seu lugá, ieu num vô da mais parpite na sua vida, voismicê vai quantas veiz quizé La na Bocaina ieu nun falo mais nada.
O coronel saiu Inácia com os olhos em lagrimas tanto implorou para Nicó desistir de sua atitude, que ele acabou cedendo também. Mas afirmou que ia esperar apenas mais algumas semanas, por não acreditar em nada. Aquela sena era tudo fingimento. E que inclusive as informações do seu diabinho não passavam de mera falsidade, acreditava sim que ele sabia de tudo que acontecia na Bocaina através de um espião que colocou La dentro. Restava lhe apenas uma intimidade maior com alaguem de lá para descobrir qual era seu informante.
-- Meu pai Inácia num tem capeta coisa niuma. Ele tá é brefano, aquele bicho nun fais é nada, tem arguém lá na Bocaina ispionano, e coronel Tiburcio tem qui sabê disso.
--Oia Nico Tuma cuidado cum vosso pai, ele é tinhoso e num tem curação, voismicê sabe bem do quele é capais. Esse negoço dele ficá bãozinho e num importá de voismicê tá ino lá prusiá cus Montinegro issai tem coisa.
La na Bocaina o coronel Tiburcio, embora tivesse gostando muito do desempenho de Terencio na lida com o gado, o liberou para o combate da erva daninha, uma vez que as próximas duas semanas seriam da lua em sua fase minguante, própria para a sua eliminação. Venâncio que também entendia bastante do assunto se propôs a ajudá-lo o que foi aceito pelo coronel. Com um bom estoque rapaduras, duas semanas com a moagem suspensa seria ótimo. A fim de baixar o estoque. Ficando para a fase da lua nova o reinicio da moagem de cana. Correu tudo bem com os dois ervateiros naquela semana, no sábado como o serviço evoluiu satisfatoriamente bem, e os dois trabalharam nas proximidades do esconderijo do pistoleiro ele o ajudou Terenço atravessar o rio ao invés de descer com ele para Bocaina o aconselhou a ir para casa e o mostrou seu esconderijo:
--Pruquê voismicê num diz qui tinha aqui esse locar bão desse jeito? Assim num pricisava deu ta ino lá pra Bocaina me bastasse trazê os mantimentos ieu memo fazia o de cumê aqui e ficava junto cum o sirviço.
--Ma voismicê quereno nois pudemo fazê isso, ieu peço pru Prudêncio arrumá o sustento pra semana e drumo aqui tumem.
-Intão ta cumbinado ieu vô in casa amanhã no memo horário ieu tô de vorta.
--Num pricisa dexe pra vim sigunda fera, é só voismicè saí naquelasora qui nois saimo pra cá no dumingo passado qui no horáro de trabaiá já ta chegano aqui, ieu vô descê nessa merreca de canoa e dispois ieu vorto trazeno os mantimento na ota. Terenço seguiu pra casa e o pistoleiro pernoitou no seu esconderijo.
No domingo no horário de sempre lá estava o coronel Certorio. Chegou otimista snobando um largo sorriso.
-Intão Dentuço voismicê dexô pexe pra mim hoje?
--Tai coroné, e o sinhô o qui troxe pra ajudá além dessa pança inorme qui cabe um boi dentro?
--Oia ieu num arrebento seu miolo pru qui hoje ieu tô de bão humô, vô cumemorá um sirviço qui voismicê vai fazê hoje de tarde-, tá aqui oh, seus cinco conto de reis!
--Ma hoje inda num vai dá Coroné, o home chega aqui é amanhã cedo e nahora qui nois fô fazê a travissia ieu faço o sirviço cunforme te cuntei. Afogo ele cum o remo!
-Voismicê tá mim inrolano ieu num atulero inrolação num já viste! Tem inrolação nun sinhô amanhã deiz hora da manhã, mais ô meno o sinhô vem ieu vô te mostrá o corpo dele preso nua coivara no barranco do rio ali poco imbaxo do lado de lá ieu inté já iscuí a tar coivara. Má tem ua coisa quero o resto dos cobre no borço amanhã!
-- E cumo foi prulá essa semana, o Nicó apareceu lá?
--Num sinhô, ma cumo ieu tô ajudano o Terenço na rancação de erva tamo passano o dia no mato sô fico lá dinoite. Ma quando fô lua nova ieu vorto pras taxas do ingenho ai tem cumo ieu tumá tento dos acunticimento.
-- Chegô o tar do circo no Bom Jardim, voismicê sabe darguma coisa? Dissero qui tão iteressado naquele mardito boi.
--O qui sei, é qui coroné nun vendi ele de forma niuma e só cede ele pru circo se tivé in Bom Jardim.
-- Pois óia voismicê se prapare qui dessa veiz aquele mardito num vai in circo de jeito mium, ieu vô usá essa temusia de Nicó pra casá cua fia do coroné pra i pessoarmente lá na Bocaina vô Matá o boi e a mardita fia do home, dispois infrento quarque coisa qui vié pradiente. Ieu agora tem dois homes qui num fáia de jeito nium. Voismicê vai tá lá na hora ieu levo as arama na carruage pra nois quatro. E se saí do jeito qui tô pranejano, dispois ieu sô capais de dá o sitio do Terenço cum tudo quel tem lá pra voismicê vivê na maió forgança cuas duas mucama qui vai ganhá no nosso trato.
--Óia coroné se o sinhô cumpri diriitinho cum vosso trato ieu sô capais morrê do vosso lado mais nun abandono o sinhô mais é nunca!
--Intão se prepare qui tudo lá vai dependê de voismicê pru que eze num tão isperano qui tá do meu lado, ôh arguém lá já discunfiô de voismicê?
--Não dijeito nium coroné, ninguém imagina é nada, ieu ando inté rezano junto queze La na capela dos treis Arcanjo!
-- Intão dexe ieu i simbora amanhã tô aqui cu resto dos seus cobre na hora qui nois marcô.
O coronel retornou à sua casa. O pistoleiro desceu o rio pesando chegou a Bocaina mais cedo que o costume lá estava o velho Miro e o Prudêncio prusuano na porta do seu casebre.
--Uai voismicê sumiu pensei qui vinha onte num apareceu risurví posá pru lá memo, Terenço foi in casa, ieu passei o dia prulá indagora discí pescano. E se voismicê pudé Prudêncio arrumá uns mantimento ieu vô levá, o Terenço idéiô de nois passá a semana prulá arrancano as erva da divisa cum o confrontante de lá qui ieu num sei quem ele!
--Do lado de lá é de coroné Certorio tudo mundo aqui sabe disso sô voismicê meno qui é novo puraqui mode num sabê.
--Intonse vamo posá pru lá. Ieu vô dexa um Mucado de pexe pru sinhô Miro, levo o resto pra voismiceis na cuzinha da casa grande.
--E pra voismicê qui pegô num fica nada não?
--os meu mais de Terenço, tão dento do rio é só jogá o anzor na água tirá, limpá e butá na panela num minutim ieu faço isso.
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 18/12/2017
Reeditado em 18/12/2017
Código do texto: T6202065
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