O anjo da Guarda

O Anjo da Guarda

Neste mundo atropelado de meu Deus, muita coisa tem, que a pessoa não pode se livrar, apesar da proteção de seu anjo da guarda.

Era o que se passava com Cornélio, pobre coitado nascido num dia treze, numa sexta-feira de agosto.

Como se vê, já veio ao mundo errado. Poderia ter nascido noutra data qualquer, mas o destino carregou a mão em cima do Cornélio, sem dó nem piedade. Era, todavia, uma figura simpática e inteligente.

Muita gente tinha inveja de ter um filho igual a ele. Foi bom aluno, mas, não chegou a se formar por azar. O pai, comerciante, querendo ser bonzinho, vendia fiado e terminou quebrando feito um idiota. Teve, por isso que tirar Cornélio dos estudos e quando abriu os olhos e recuperou-se, Cornélio não quis mais voltar aos estudos.

A esta altura já estava bem empregado e isso lhe parecia o bastante. Cioso dos seus deveres funcionais cumpria a risca os regulamentos e por isso era tido como intransigente e besta.

Quando vinham as promoções, sempre ficava onde estava. A sua dureza não agradava o chefe que não conseguia adaptá-lo ao seu sistema administrativo.

- Comigo é assim. Dê onde der. Não fui eu quem fez os regulamentos e foram feitos para serem cumpridos. Os amigos do prefeito reclamavam dele:

- Não pode, tira aquele sujeito da fiscalização. Multa todo mundo por qualquer bobagem, sem consideração a ninguém. Estraga o eleitorado, e veja que está próxima a eleição, tem que ser condescendente e amigo do povo.

E lá passou Cornélio para serviços burocráticos, sem contato com o povo. E só lhe davam as tarefas mais difíceis, as coisas que ninguém gostava de fazer.

Não o punham para fora porque era efetivo por concurso e nem lhe apanhavam em falta. Sendo também a pessoa mais letrada da Prefeitura; ira fazer falta em certas emergências.

Mas o pior é que a filha do prefeito apaixonou-se por Cornélio e dava em cima dele com se ele fosse capim verde. Magra e feia, já passando do tempo de amar, tornou-se um pesadelo para Cornélio, que procurava fugir como quem foge de assombração.

Mas, a Bromélia insistia. Falou com a mãe, e mãe falou com o pai e findou espalhando-se o boato de que os dois já estavam quase noivos. E um e outro perguntava a Cornélio:

- Noivando, não é? E a filha do prefeito. Muito bem. Vais fazer carreira. Brevemente será candidato a prefeito. Bicho de sorte.

E a situação agravou-se quando a namorada legítima do Cornélio, soube da notícia.

Brigou com Cornélio e não houve meio de convencê-la. Cornélio não teve outro jeito. Apelou para o anjo da guarda. Pediu-lhe sinceramente para livrasse da filha do prefeito.

- Pelo menos isso, meu santo protetor. Dê um jeito de tirar a Bromélia do meu caminho. Assim também é demais. Necessito de tua proteção urgentemente. Já deixei os estudos, nunca fui promovido, as outras moças não querem mais saber de mim. Posso perdoar-te por tudo isso, mas ampara-me desta vez, meu santo anjo!

Estás vendo que não será possível casar-me com aquela coisa. Sabes que já nasci num dia treze, sexta-feira de agosto. Afasta de mim a bromélia, sim a Bromélia, filha do prefeito. Toma nota. Chama-se Bromélia, magra, feia, desagradável até no jeito de andar. Esfrio até a medula quando põe os olhos em cima de mim. Ah! Meu santo anjo proteja-me pelo menos desta vez. Fico esperando. Arranja outro para a Bromélia. Não te custará nada. Posso ficar tranqüilo?

Cornélio notou que o prefeito já o olhava com certa simpatia. Procurava aproximar-se dele, puxar uma conversinha e já falava até, lá por fora, em dar-lhe uma promoção.

- Olha Cornélio, há por aí um zunzum de que serás promovido. Também, pelo que falam. Quase noivo!

Cornélio sentiu-se completamente perdido. O seu anjo da guarda ou era moco ou andava cochilando. Ou seria que tivesse nascido sem ele? O diabo é quem duvida. Também poderia ser um buchudinho qualquer, um apalermado sem o menor zelo pelo seu protegido.

Dias depois, o prefeito chegou-se para Cornélio todo risonho, exibindo um ar de satisfação que lhe parecia estranho. E depois de uma troca de amabilidades veio o desfecho. Um convite para o almoço em sua casa.

- Precisamos nos aproximar mais. O senhor, seu Cornélio é uma pessoa de minha inteira confiança. Até hoje tenho sido ingrato para consigo, mas nunca é tarde para uma reparação.

Espero que aceite meu convite. O almoço será lá na fazenda. Sairemos logo depois da missa e de lá iremos juntos, Nós dois, minha mulher e Bromélia que, alias, é uma sua admiradora. Até já me chamou a atenção sobre suas ótimas qualidades a que eu dizia, não ter prestado a devida atenção.

Correu um frio gelado pela espinha de Cornélio. O seu anjo da guarda era mesmo um pançudo. E pelo que se via, estava era ao lado da Bromélia. Não lhe merecia a mínima confiança.

Se todo anjo de guarda for igual ao meu, é melhor viver só!

Pensou em dar parte de doente para se escapar do almoço, antes a morte, do que Bromélia. Mas sempre tivera muita saúde e não sabia mentir. O jeito era enfrentar o perigo. E tomou uma resolução afoita. Mostrar que não queria saber da Bromélia. Não seria possível que fosse tão burra que não entendesse. Haveria de dar uma demonstração bem clara, bem evidente do seu desagrado.

Plano feito, bem estudado. Decorara até as palavras. Seria tiro de espingarda doze, isto é, tiro e queda. Nada mais com o boboca do seu anjo da guarda. Bichotinho safado que pelo que se via, vinha só atrapalhando sua vida. Melhor só do que mal acompanhado.

Chegou domingo. Logo cedo o senhor prefeito Pantaleão passou pela casa do Cornélio. Fazia questão de que fossem a missa juntos. Precisava prestigiá-lo, embora os seus correligionários ficassem de olho nos dois. Que se danassem. Em primeiro lugar estava a sua Bromélia, apaixonada e já passando do tempo...

- Espia aí, quem vem ali. O Pantaleão emparelhado com o Cornélio. Aliás é um bom moço. Segundo então falando está quase noivo da dona Bromélia.

- Moça muito boazinha, mas, fraca de cara.

- Cara é bobagem. O importante é o resto...

Assistiram a missa juntos, juntos, propositadamente, para que todos vissem. Cornélio está sendo envolvido e mais uma vez, sem respeitar o cheiro de incenso, que ainda exalava, lembrou-se do seu anjo da guarda, um papangu que não lhe dava o menor amparo ou estava mancomunado com o Pantaleão, tramando a sua desventura.

Cabritinho ordinário, molecote... Será que os anjos da guarda dos outros são iguais ao meu? Se for assim o mundo está mesmo perdido. Só te peço uma coisa, não me prejudiques, amarelinho buchudo.

Cornélio ia indo à casa do prefeito Pantaleão, procurando ficar. Gostaria que o chão rachasse e ele sumisse, mesmo perdendo o emprego.

Abriu-se o portão da casa e foram entrando. Bromélia tocou no braço de Cornélio e convidou-o a entrar. Ele teve um arrepio. Olhou-a como nunca a tivesse visto. Lembrou-se do seu anjo da guarda. Estremeceu diante do corpo de bromélia. E não sabia como, mas, já não a achou tão feia, e, um tanto simpática.

Dava bem para quebrar um galho, principalmente sendo filha única. Divisou em Bromélia, uma promoção, a fazenda de gado de seu Pantaleão e uma vida folgada. E depois não tinha satisfação a dar a corno nenhum.

Depois, já sabia perfeitamente que seu anjo da guarda era uma pinóia, um amarelinho buchudo e empanturrado. Não deveria contar com ele. Estava era do lado de dona Bromélia.

João Henriques da Silva

João Henriques da Silva
Enviado por gavinha em 14/12/2017
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