O bodegueiro

O BODEGUEIRO

Beira da estrada, um povoadozinho de nada, com uma capelinha do tamanho de uma caixa de fósforos e lá bem afastado, um casebre miserável onde morava a Biá, chegada de fora, sem outro emprego além da vadiagem. E era mesmo uma mulata vadia, querida de todo mundo. Era, aliás, o entretimento da turma local e de quem por ali passava. O bodegueiro – Seu Atílio – solteiro, com poucos fios de barba na cara, era outro forasteiro. Chegara ali vendendo missangas num bauzinho e resolvera estabelecer-se. Era um da freguesia da Biá. Só que lhe pagava com mercadorias da bodega. Dinheiro, nunca! Dinheiro que entrava era guardado religiosamente e só saia para a compra de mercadorias ou para necessidades inadiáveis. Também não vendia fiado. Podia chorar. – Vai da um jeitinho. Toma emprestado. Vendo barato. Se vender fiado não poderei comprar mais nada e a bodega fecha. Aí então não terão a quem comprar.

E naqueles tempos corriam moedas de prata. Essas não saiam mais do bisaco. Já era uma mania juntar moedas de prata. Disso, no entanto, não dava sinal a ninguém. E ensinava que aquela qualidade de dinheiro iria sair de circulação e que as moedinhas que arranjava levavam para trocar imediatamente na cidade. Assim, quem as possuía procurava delas se desfazer. - Só recebo isso porque tenho onde trocar... Pior ainda essas moedas antigas do tempo do Império. E ia, assim, abiscoitando a prata que circulava. Com o tempo correu a noticia de que tudo aquilo era velhacaria. As pratas estavam valendo bem mais do que o valor das moedas. E ninguém lhe levava mais uma prata, especialmente do tipo “pau nas costas”. Quem despertou atenção fora um sujeito que, de passagem, dormira com a Biá e andava comprando coisas antigas. Bicho do oco do mundo, trapaceiro, tinha certeza, certíssima de que seu Atílio estava cheio de moedas de prata. Era uma mina. E foi à bodega procurando antiguidades, inclusive moedas velhas, ouro, prata, níquel e cobre. Pagava bem.

- Só tenho mesmo moedas de cobre. Vinténs, patacas e dobrões. É o que tenho para vender. Quando recebo uma pratinha corro logo à cidade e troco. Um arrasado da minha marca pode lá juntar dinheiro...

- O senhor sabe que é um perigo guardar prata, e ouro. Se os ladrões sabem, fazem logo um assalto e podem até matar para roubar.

- Mas se não tenho nenhuma?

- Basta o boato, meu velho. Tenha ou não, assaltam e ou entrega ou morrer. Tenha cuidado.

E o espertalhão desapareceu. No entanto, seu Atílio ficou com uma pulga atrás da orelha. E como também não era bobo, preveniu-se. Achava provável o assalto e o assaltante seria o comprador de bugigangas. O cabra não tinha cara de boa gente. Falou com a Biá:

- Olha Biá, aquele sujeito que dormiu contigo a semana passada, comprador de objetos antigos disse-me que iria voltar. Vou te pedir uma coisa. Quando ele chegar me avisa. É provável que chegue à noite. Tenho umas moedas para vender que ele me pediu para juntar. Mas não diga nada a ele. Além de minha velha amizade te darei uma recompensa. Mereces. Mas não digas nada, nada mesmo. Manda um menino me avisar. Não te esqueças. Assim que chegar e disfarçadamente.

- Deixe com sua nega...

- Ainda iremos morar juntos. Queres?

- Por que não fala sério?

Atílio armou sua arapuca. Tinha certeza de que seria assaltado. Mas suas pratas ninguém levaria. Era toda sua fortuna.

Mas de três semanas depois, chega o recado da Biá.

- O homem chegou!

Atílio fez os últimos preparativos e esperou. Fechara a porta mais cedo e ocultara-se fora de casa com a espingarda cheia até os graneás. Uma bala de rolimã misturado com chumbo grosso e cabeças de prego.

Já estava enfadado de esperar por trás da moita. Já mais de meia noite, o cabra chegou. Chamou, bateu à porta da frente e depois na dos fundos. Nenhuma resposta.

Com toda certeza o Atílio estava com medo e escondido debaixo da cama. Tinha cara de moleirão. Havia de pegar o frouxo e obriga-lhe a entregar a prataria. Não tinha vindo para perder o salto. Resolveu, então, derrubar a porta ou arromba-la sem fazer ruído. Puxou um ferro e forçou para deslocar a fechadura. A porta cedeu e ia entrar cauteloso quando ouviu o tiro. Caiu de bruços, estrebuchou e veio o silencio. Atílio carregou a espingarda e foi indo cauteloso. Poderia ser um manhoso e o estar esperando. Mas não era, o cabra estava de olho vidrado e as moedas de prata lá no seu cantinho, Chamou gente para testemunhar o assalto, com a porta rebentada, Um revolver e uma faca na cintura do cabra, Fizeram o enterro e nunca apareceu alguém para reclamar o defunto.

- Pensava que eu estava cheinho de moedas de prata. Ia morrer para descobrir o que não tenho. Coitado de mim. Tinha até graça, com uma bodega mixa dessa, juntar dinheiro.

E seu Atílio continuou juntando suas pratinhas.

Biá, um dia perguntou-lhe pela promessa de morar com ela.

- Podia ir. Era sozinho e não tinha quem lhe fizesse as coisas. E depois, era tão ruim viver só.

Biá mudou-se. O pretexto de mudar de vida e ser cozinheira de seu Atílio. As pratas foram crescendo. Seu Atílio vendeu a bodega. Iria mudar de ramo. E quando menos se esperava desapareceram os dois e jamais se tive notícia. Atílio i Biá, estavam longe, na cidade de Areia, lá no cocuruto da Serra da Borborema, com casa comercial aberta, Dinheiro das pratas. Biá era sua legítima mulher. E nunca lhe pediam comprovação. Dona Biá era ouvida e cheirada. Também minguem era mais amiga e prestativa. Seu Atílio, nem se fala. Falavam dele como se fosse um filho da terra. Não falava em politica e nem discutia religião. Péssimas coisas para um comerciante. Biá, nunca mais foi uma moça triste. Dona Biá...

João Henriques da Silva

João Henriques da Silva (meu pai) desencarnado
Enviado por gavinha em 29/11/2017
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