O SONHO DE UM CORONEL MACHISTA 27º EPISÓDIO

Após a partida de Nicó Dusanjo limpou a mesa e recolhendo o vasilhame do café o levou á cozinha. Continuou ajudando nos demais afazeres da casa. Sua mãe seguiu para o tear onde trabalhava quase que interruptamente tecendo suas obras de arte. O coronel Tiburcio foi até a casa de apuração fazer uma vistoria, onde estava o Venâncio executando seu trabalho, na fabricação das rapaduras.
-- Boa tarde Venâncio tudo bem pur aqui?
--Boa tarde coroné qui bão qui sinhô apariceu!
-- Pur quê argum probrema?
---Num sinhô probema nium, ma é sempre bão qui dê uhas zoiada no sirviço da gente pra vê se tá cumo deseja, ô se ieu tem de miorá arguma coisa.
--Tá tudo bão. Há nada recremá não, isso ai quarqué coisa de errado voismicê fala cum Prudêncio pricisano fazê arguma mudança ele memo resorve!
Naquele ínterim entra Maneco avisando o coronel que as duas montarias estavam preparadas, os dois iam para o campeio, naquela tarde vistoriar o gado.
-- Oia Venâncio ieu comprei vossa incumenda, dexei in casa cua Isaura, voismicê dispois do sirviço dá um pulo inté lá mode cuntá ela o jeito qui qué a custura, o troco dos cobre dexei cuela pode pegá lá!
-Num pricisa, ela já sabe cumo fazê as custuras, e quando ieu fô pagá pra ela a custura o troco nois disconta, num vai da memo, dispois a gente acerta!
-- Ieu só num intindi cumo é qui voismicê manda ieu compra uns ticidos cas istampa vermeia daquele jeito!
--Aquilo Maneco, pru qui ieu priciso tem de sê daquele jeito memo é mode ieu pagá uha prumessa, tô deveno fais tempo aquel chitão istampado é pra Isaura fazê treis vistido ieu já cumbinei cuela ela sabe cumo fazê!
Os dois saíram patrão e empregado, e foram vistoriar o rebanho, então Maneco comentou:
--O sinhô viu coroné pru mim esse Venâncio tem quarqué dos parafusos bambo na cabeça, donde qui se viu uha prumessa de fazê treis vistido istampado inda de chitão vermeio!
-Ah dexa pra lá Maneco cada doido tem sua mania!O home é bão taxero e dá rindimento no sirviço, se num aparecê nada de pior, issaí a gente vai tulerano.

A semana chegou ao fim, com sua normalidade rotineira. Conforme havia combinado com o coronel Certorio, Venâncio não teria que subir o rio. Eles não iriam se encontrar no seu esconderijo. No domingo quando ele saltou da cama o velho Miro já tinha passado o café e preparado, ovos frigidos com farinha queijo e rapadura. Fizeram junto o desjejum. Em seguida ele arrancou um pouco de minhocas no fundo da horta apanhou as varas de anzol e desceu o pequeno declive até ao rio, onde sua canoa permanecia amarrada. Em pouco mais de um quarto de hora, pescando do barranco mesmo, ele encheu o embornal de traíras:
De volta ao barraco, Miro argumentou:
--Voismicê saiu calado, imaginei qui ia subi o rio mais cedo?
--Num sinhô ieu hoje vô batê uha fáia, Maneco cunvidô ieu pru armôço fui ao rio buscá uhas traira, vô levá pra ele lá no currá. Dispois passo na capela mode fazê a
Reza qui aprindi cum sinhô essa semana.
--Voismicê é um bão pescadô memo, nesse poco tempo pego istudo aí?
E foi só do barranco, ma nesse rio pexe é só i buscá pega o tanto qui pricisa.
Venâncio levou os peixes ao Maneco passou pela capela, fez a oração que o velho Miro o ensinou, voltou levando ao velho um recado do Maneco:
-- Oia sinhô Miro Maneco ficô pur dimais sastifeito, intonse mandô dizê pra o sinhô i mais ieu, pra nois armuçá os pexes cuele mais Isaura, falô qui nun aceita discurpa não!
Ah ieu tô muito vei fora de moda num devo de ficá trapaiano voismiceis qui ta cuas prosa índia e cuas força toda não!
Ah sinhô Miro sabe duma coisa, ma o sinhô vai memo, nem qui ieu tem qui marrá o sinhô e levá, isturdia o sinhô pidiu ieu pra fazê cumpania pru sinhô pur num aguentá tanta sulidão, agora o Oto fais um cunvite desse sinhô inventa de num i, ah ma vai memo pode prepará qui daqui a poco tamo ino!
-- ieu tem de prepará as páia de mio mais as imbira de bananera mode impaiá rapadura.
--Tá bão, isso ieu sei qui só o sinhô fais isso do jeito qui coroné gosta, ma ele já falô qui sirviço aqui no dumingo é só tiração de leite e apartação de vaca, o resto é nos otros dia da semana.
Embora o velho tentasse fugir ao convite o pistoleiro conseguiu levá-lo à casa de Maneco. Isaura demonstrou uma grande satisfação, com a presença do irmão, mas manteve discreta o tempo todo, Miro não percebeu nada. Disfarçadamente Isaura perguntou ao irmão:
--Oh seu Venâncio posso lhe fazê uha pregunta, pra que um home bem afeiçuado cumo voismicê manda ieu fazê treis vistido cumas istampa vermeia tão arregaladas?
--Oia Isaura voismiceis tem toda razão de istranhá. Ma isso uha prumessa de minha mãe na urtima veis qui ieu prusiêi cuela mim pidiu pra quando ieu tivesse uha upurtunidade ieu mandasse fazê treis vistido bem regalado mode dá pra treis muié pobre qui gosta de dançá essa dança do frorcrore e muita veis numa dança pru nun dá conta de cumprá a ropa. Na hora qui sua custura tivé pronta ieu vô te paga pur o seu trabaio e voismicê mim fais o favô de dexá guardado aqui in vossa casa pra quando chegá ocasião ieu cumpri quessa prumessa de mãe.
Embora estranhando a atitude do irmão, Isaura mudou o rumo da prosa:
-- Voismiceis ficaro sabeno do pidido de casamento feito onte pra fia do coroné-, tem gente de muita corage!
-- Que isso Isaura ondé qui voismicê ficô sabeno disso muié?
-- Uai Maneco foi voismicê memo qui troxe o moço pra prusiá cum coroné e num teve a curiusidade de priguntá o qui ele vei fazê aqui?
-- Voismicê sabe qui num infio minha cuié de pau in assunto de patrão, e divia fazê o memo Isaura!
--Ieu num infiei a cuié de pau num sinhô, fui lá à cuzinha da casa grande buscá uns ovos qui sinhá Maricota mim deu mode arruma chocá, i ela mim contô qui o abusado do tar Nicó fio do coroné Certorio teve o dispranto de vim aqui pidi a mão de Dusanjo in casamento.
E qui o tar sujeito chegô, ficô isperano no currá e pidiu qui voismicê prusiasse cum coroné pra recebê ele. Outra coisa, os ovos qui fui lá buscá foi sinhá Maricota qui me deu e num foi ieu qui pidi não já viu, ela qui mim ofereceu ieu tinha falado pra ela qui nun ia arrumá do ovo aqui de casa pra chocá pru que o nosso Galo tá mudano de pena, quandé assim os ovo agóira tudo num vinga nem um pinto, intonse ela falô pra ieu i lá quela fazia questã de mim dá os ovos.
--Oia Isaura ieu num falei pru ma não criatura, mim discurpa!
-- Me discurpa tumem o casal. Pru ieu intra na prosa, ma o qui acunteceu aceitaro o pidido do casório?
--Não sinhô, sô Miro, aquela fia do coroné é sabida pur dimaís, o coroné imbrabeceu cum o home, ma ela é muito intiligente, e pidiu carma pro pai, falô pro tar Nicó qui o tempo é qui vai dá pra ele a resposta, primero pricisa de acabá a mar querência das duas famías dispois o resto o distino resorve!
Para Venâncio aquela prosa foi tudo que ele precisava saber, ele ouviu tudo calado, sem dar nenhum palpite, e recebeu a informação detalhada para repassar ao coronel Certorio no próximo encontro.
Na fazenda Morrinhos o coronel Certorio depois de uma semana  de deleite, saciado com os carinhos de sua amante aguardava com otimismo a chegada do seu amigo e comparsa de tramóias contra pequenos fazendeiros e sitiantes.
Enquanto seu filho Nicó entristecido e cabisbaixo com a sua situação. Passou os últimos três dias da semana refletindo sobre sua precipitação no seu pedido de casamento. Quase sem opção, tinha apenas bastião Chico Bento e Inácia, com os quais poderia confidenciar os clamores do seu coração.
-- E intão Nicó voismicê cunsiguiu a prosa cum o coroné, Tiburcio mais cua famia dele?
--Cunsigui sim Inaça, ma acho qui fiz ua bestera, ieu acabei pricitano e pidi Dusanjo in casamento, dispois arripindi, foi qundo vi qui tinha feito uha bestera-, o pai dela imbrabeceu, ma ela é uha pessoa boa pur dimais da conta, pidiu carma pra ele e respondeu dum jeito qui ieu pirdi a ponta da miada, fiquei sem jeito até de sai de lá, fui dispidi ma coroné falô qui primero a gente tinha de bebê café junto, ieu num quiria ela mim pegô pru braço e mim levô pra mesa. Ah qui sodade qui fiquei do tempo de mainha e de minha falicida muié, ali vemo aquela famia naquela páis.
--Ma qui reposta qui dero pra voismicê?
--Pois é ela diz qui primero de tudo, tem de tê harmunia de nossas famia, cabá quesse perrengue da histora, dispois o tempo mais o distino fais a coisa acuntecê, falô qui a diferença de idade e o jeito de ieu falá quisso num impede, qui pra ela num tem importança. Ma ela é gente boa pur dimais inaça, ieu sei qui num é pra mim, mais quanto mais ieu pruseio cuela mais apaxonado ieu to ficano!
--Fica triste Nicó voismicê tumém é gente boa pur dimais, tem um bão curação, Deus vai fazê pra voismicê tudo certo na hora certa, o qui é de voismicê nun vai pra ota pessoa não mais cedo ôh mais tarde vem pra voismicê!
-- Inaça ieu acho qui tô é pagano pras mardade do meu pai isso num é justo não, quem tem de pagá é ele. O qui voismicê achô daquel bicho qui meu pai mostrô pra nois, aquele dia? Ieu pru mim aquilo é pra metê medo na gente. Acriditei naquilo não, aquele tipo de bicho ieu tô cansado de vê isparramado nessas pastage. Vamo vê agora se ele  vai contá ele qui fui à Bocaina e pidi casamento cum o maió disafeto dele.
--Credo in cruiz Nicó num abusa cum vosso pai não ieu só de alembrá daquele bicho horroroso ieu arripêio tudinha.



 
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 24/11/2017
Reeditado em 24/11/2017
Código do texto: T6181371
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