O SONHO DE UM CORONEL MACHISTA 13º EPISÓDIO
Desde que o coronel tomou conhecimento que seus capangas seguiram por aquela trilha fornada por ele, rumo ao esconderijo de Dentuço. Não arredou pé da varanda da casa grande, recostado na sua espreguiçadeira fumando um cachimbo atrás do outro, com os olhos pregados na estrada situada bem ali passando defronte seu curral. Nicó não deveria em hipótese alguma ter conhecimento daquela cabana que abrigava o pistoleiro Dentuço. Uma bela história já estava sendo urdida por ele para ser repassada à Barba Ruiva, no sentido de enganar seu filho. Mal sabia o coronel que Nicó estava louco para vê-lo envolvido com outra pendência qualquer, alheio a suas intenções, a fim de se sentir livre de sua vigilância para por em prática seu plano de aproximação com a familia dos Montenegro.
Na expectativa de ver a qualquer momento a chegada dos três ele adentrou a noite em atalaia, com o olhar fixo na porteira da estrada por onde eles entrariam no curral. Inácia lhe serviu café diversas vezes, sem que ele arredasse pé da varanda.
-- Intão coroné voismicê diga pra Barba Ruiva quando aparecê qui o de cumê deze tá inrriba do fogão mode num isfriá, ieu, se coroné mim permite vô butá os ossos no girau mode discançá qui amanhã o batido é feio e tem muito sirviço mode ieu fazê!
-- Vai Inácia drome cum Deus. Ieu dô o recado quando ele chegá. Só que nenhum apareceu e o coronel adormeceu ali mesmo em sua espreguiçadeira tecida de algodão cru. Acordou já com o clarão da aurora, e os gritos de seus escravos fechando as vacas leiteiras no curral, Assustado gritou pelo bastão seu escravo mais confiável, marido de Inácia e ordenou que ele selasse seu cavalo. Ao voltar do pasto com a montaria para ser selada vieram junto os três animais de seus capangas. Trêmulo de susto o coronel ordenou ao escravo, desarriá-los imediatamente e recomendou:
-- Voismicê mun viu nada de cavalo arriado Chegano na fazenda, bico calado sinão vai pras chibata no tronco ta uvino bem?
-- Sinsinhô coroné-, ieu num vi nada nem iscuitei nadica de nada coroné!
O coronel montou seu cavalo, ganhou a estrada e galopando em poucos segundos eram engolidos pelas sonbras das arvores que encobria a longínqua reta. Adentrou a mata pela trilha e quando o sol deitava seus primeiros raios sobre a velha cabana, ele esbarrou seu cavalo na porta dela também. O amarou e entrou tão rápido como chegou, Ao deparar, com os três corpos sem vida esticados ali bem ao lado daquela fornalha cheia de cinza branca, onde uma trempe sustentava uma panela de feijão cozido. Ele sentiu que o mundo estava desabando sobre sua cabeça. Por um momento a falta de oxigênio no cérebro quase o levou ao chão, escorando na parede escurecida pela ação do tempo, ele foi afastando, sem tirar os olhos daquele quadro horrível que tinha diante dele. A procura de ar puro ele saiu de fasto. Respirou fundo buscando recompor o sentido que por momentos esteve perdido. Benzeu-se com o sinal da cruz e montou seu cavalo, permanecendo parado. No rumo da porta sem redar os olhos daquela cena funesta. Por alguns minutos, ele tentou organizar, seu pensamento. Mas sua imaginação entrou em parafuso transformando numa roda moinho girando num labirinto sem saída. Estático em cima de sua montaria, obstruindo a visão de quem chegasse pela trilha vinda do lado rio. Desolado ele sentiu o gosto amargo de mais um fracasso. Desejando que o chão abrisse aos seus pés para mergulhar fundo, com cavalo e tudo. De repente uma voz quebrou o silencio daquele ambiente inóspito.
--Bão dia coroné! Voismicê num vai apiá?
Dentuço acabava chegar. Girando o corpo para trás sobre o dorso de seu cavalo ele respondeu:
-- Bão dia qui nada, qui diabo voismicê aprontô aqui?
-- Ieu coroné, aprontei nada não coroné! Ieu saí onte, inda tinha um bão pedaço de sor apruveitei mode pescá, disci rio abaixo, intirti cua pescaria boa dimais, quando apricibi à noite tava caíno, ieu tinha mais de légua pra frente mode vortá rio acima, cua noite iscura dimais. Arrisurvi drumi na cabana do veio Miro na fazenda de coroné Tiburcio, dei pra ele os pexe mode ele intregá lá pra Inhá Chica. Ieu num falei qui butava os pexe na mesa de coroné Tiburcio, é sigunda veiz qui o veio Miro ajuda ieu. Má do que memo qui coroné ta falano, tem argo errado purai, ieu sai dexei inté feijão cuzinhano fexei a porta mode macaco num intrá. Esse bicho veiz e ota vem robá o de cumê aqui, inda pronta sujera aí dentro
--Voismicê tem certeza qui num sabe de nada memo?
-- Oia coroné num sô ome de minti nunsinhô, sô pistolero na verdade mais o qui faz ieu garanto. Se coroné achô trem errado ieu num tem curpa sei de nada não!
--Intonse entra ai e óia o qui treis difunto ta fazeno aí isticado no chão cas boca iscumano!
-- cruiz credo coroné cumo isso acunticeu, vige mãe Deus ieu nun guento difunto não, voismicè cunhece os disinfiliz coroné?
-- Inhantes ieu nun cunhecesse, é os treis mió home qui ieu tinha pros meus sirviços. Barba Ruiva, Juca cavera e o Pedro banguela. Agora ieu tô de pé e mão quebrada. Mais num adianta chorá o leite derramado. Nóis tem qui livrá desses difunto o mais dipressa pussíve. Pistolero morto num seve pra mais nada, anum sê pra interrá. Voismicê pensa ai num jeito de nois livrá deze sem dexá rastro e ninguém precebê. Eze já tava memo falano imbora, meus iscravo já tava tudo sabeno dessa prosa deze. Isso vai ajudá a gente, disfarsá.
--óia coroné se nois interrá um dia quarqué argúem pode achá, o mió memo é marrá uas tora de pau e jugá no rio. Ô intonse quemá, quemano num fica rasto nium, as dispois ieu num tem corage de drumi nessa canana mais, má é de jeito ninhum. Posso juntá tudo que paia e coquero seco qué danado de bão de fogo e quemá tudo garanto qui num fica nada.
--Boa idéia, voismicê fais isso ieu vô incasa da orde prus iscravo no sirviço, te trago o de cumê, voismicê junta tudo qué paia seca dos coquêro e intope a cabana bota muita lenha seca tumém e taca fogo. Quando ieu vortá nois vamo tê um pruseio mode vê cumo fica, ieu num tô cunvincido da sua inucença não. voismicê tem de ispricà um trem qui ta mim incucano. Num vai isquecê de tirá suas coisas de dentro da acabana sinão cumué qui vai fazê o seu de cumè dispois desse fracasso!
-- Intonse o coronè desce do cavalo e vamo intrá junto mode ieu tira as coisa daí, suzinho ieu nun entro ai mais é nunca.
O coronel o ajudou retirar suas tralhas e cobrir os três féretros de palhas secas, e seguiu para sede sua fazenda. Chegando lá Inácia já havia preparado o almoço, bastião seu marido contou a ela a respeito do sumiço dos três capangas e avisou da prosa do coronel o recomendando que o castigo fosse severo caso ela tocasse no assunto com alguem. Após tomar conhecimento do sumiço dos três ela ficou irradiando de alegria, por dentro, é claro. Embora sem se manifestar, mas rezando para que o carrasco Barba Ruiva nunca mais aparecesse. Já lhe bastava às cicatrizes que carregava na alma de tanto apanhar dele injustamente e ver marcas de chibatadas em seus filhos, nas suas netas e até mesmo no seu querido bastião a quem o coronel se fingia confiar.
Desde que o coronel tomou conhecimento que seus capangas seguiram por aquela trilha fornada por ele, rumo ao esconderijo de Dentuço. Não arredou pé da varanda da casa grande, recostado na sua espreguiçadeira fumando um cachimbo atrás do outro, com os olhos pregados na estrada situada bem ali passando defronte seu curral. Nicó não deveria em hipótese alguma ter conhecimento daquela cabana que abrigava o pistoleiro Dentuço. Uma bela história já estava sendo urdida por ele para ser repassada à Barba Ruiva, no sentido de enganar seu filho. Mal sabia o coronel que Nicó estava louco para vê-lo envolvido com outra pendência qualquer, alheio a suas intenções, a fim de se sentir livre de sua vigilância para por em prática seu plano de aproximação com a familia dos Montenegro.
Na expectativa de ver a qualquer momento a chegada dos três ele adentrou a noite em atalaia, com o olhar fixo na porteira da estrada por onde eles entrariam no curral. Inácia lhe serviu café diversas vezes, sem que ele arredasse pé da varanda.
-- Intão coroné voismicê diga pra Barba Ruiva quando aparecê qui o de cumê deze tá inrriba do fogão mode num isfriá, ieu, se coroné mim permite vô butá os ossos no girau mode discançá qui amanhã o batido é feio e tem muito sirviço mode ieu fazê!
-- Vai Inácia drome cum Deus. Ieu dô o recado quando ele chegá. Só que nenhum apareceu e o coronel adormeceu ali mesmo em sua espreguiçadeira tecida de algodão cru. Acordou já com o clarão da aurora, e os gritos de seus escravos fechando as vacas leiteiras no curral, Assustado gritou pelo bastão seu escravo mais confiável, marido de Inácia e ordenou que ele selasse seu cavalo. Ao voltar do pasto com a montaria para ser selada vieram junto os três animais de seus capangas. Trêmulo de susto o coronel ordenou ao escravo, desarriá-los imediatamente e recomendou:
-- Voismicê mun viu nada de cavalo arriado Chegano na fazenda, bico calado sinão vai pras chibata no tronco ta uvino bem?
-- Sinsinhô coroné-, ieu num vi nada nem iscuitei nadica de nada coroné!
O coronel montou seu cavalo, ganhou a estrada e galopando em poucos segundos eram engolidos pelas sonbras das arvores que encobria a longínqua reta. Adentrou a mata pela trilha e quando o sol deitava seus primeiros raios sobre a velha cabana, ele esbarrou seu cavalo na porta dela também. O amarou e entrou tão rápido como chegou, Ao deparar, com os três corpos sem vida esticados ali bem ao lado daquela fornalha cheia de cinza branca, onde uma trempe sustentava uma panela de feijão cozido. Ele sentiu que o mundo estava desabando sobre sua cabeça. Por um momento a falta de oxigênio no cérebro quase o levou ao chão, escorando na parede escurecida pela ação do tempo, ele foi afastando, sem tirar os olhos daquele quadro horrível que tinha diante dele. A procura de ar puro ele saiu de fasto. Respirou fundo buscando recompor o sentido que por momentos esteve perdido. Benzeu-se com o sinal da cruz e montou seu cavalo, permanecendo parado. No rumo da porta sem redar os olhos daquela cena funesta. Por alguns minutos, ele tentou organizar, seu pensamento. Mas sua imaginação entrou em parafuso transformando numa roda moinho girando num labirinto sem saída. Estático em cima de sua montaria, obstruindo a visão de quem chegasse pela trilha vinda do lado rio. Desolado ele sentiu o gosto amargo de mais um fracasso. Desejando que o chão abrisse aos seus pés para mergulhar fundo, com cavalo e tudo. De repente uma voz quebrou o silencio daquele ambiente inóspito.
--Bão dia coroné! Voismicê num vai apiá?
Dentuço acabava chegar. Girando o corpo para trás sobre o dorso de seu cavalo ele respondeu:
-- Bão dia qui nada, qui diabo voismicê aprontô aqui?
-- Ieu coroné, aprontei nada não coroné! Ieu saí onte, inda tinha um bão pedaço de sor apruveitei mode pescá, disci rio abaixo, intirti cua pescaria boa dimais, quando apricibi à noite tava caíno, ieu tinha mais de légua pra frente mode vortá rio acima, cua noite iscura dimais. Arrisurvi drumi na cabana do veio Miro na fazenda de coroné Tiburcio, dei pra ele os pexe mode ele intregá lá pra Inhá Chica. Ieu num falei qui butava os pexe na mesa de coroné Tiburcio, é sigunda veiz qui o veio Miro ajuda ieu. Má do que memo qui coroné ta falano, tem argo errado purai, ieu sai dexei inté feijão cuzinhano fexei a porta mode macaco num intrá. Esse bicho veiz e ota vem robá o de cumê aqui, inda pronta sujera aí dentro
--Voismicê tem certeza qui num sabe de nada memo?
-- Oia coroné num sô ome de minti nunsinhô, sô pistolero na verdade mais o qui faz ieu garanto. Se coroné achô trem errado ieu num tem curpa sei de nada não!
--Intonse entra ai e óia o qui treis difunto ta fazeno aí isticado no chão cas boca iscumano!
-- cruiz credo coroné cumo isso acunticeu, vige mãe Deus ieu nun guento difunto não, voismicè cunhece os disinfiliz coroné?
-- Inhantes ieu nun cunhecesse, é os treis mió home qui ieu tinha pros meus sirviços. Barba Ruiva, Juca cavera e o Pedro banguela. Agora ieu tô de pé e mão quebrada. Mais num adianta chorá o leite derramado. Nóis tem qui livrá desses difunto o mais dipressa pussíve. Pistolero morto num seve pra mais nada, anum sê pra interrá. Voismicê pensa ai num jeito de nois livrá deze sem dexá rastro e ninguém precebê. Eze já tava memo falano imbora, meus iscravo já tava tudo sabeno dessa prosa deze. Isso vai ajudá a gente, disfarsá.
--óia coroné se nois interrá um dia quarqué argúem pode achá, o mió memo é marrá uas tora de pau e jugá no rio. Ô intonse quemá, quemano num fica rasto nium, as dispois ieu num tem corage de drumi nessa canana mais, má é de jeito ninhum. Posso juntá tudo que paia e coquero seco qué danado de bão de fogo e quemá tudo garanto qui num fica nada.
--Boa idéia, voismicê fais isso ieu vô incasa da orde prus iscravo no sirviço, te trago o de cumê, voismicê junta tudo qué paia seca dos coquêro e intope a cabana bota muita lenha seca tumém e taca fogo. Quando ieu vortá nois vamo tê um pruseio mode vê cumo fica, ieu num tô cunvincido da sua inucença não. voismicê tem de ispricà um trem qui ta mim incucano. Num vai isquecê de tirá suas coisas de dentro da acabana sinão cumué qui vai fazê o seu de cumè dispois desse fracasso!
-- Intonse o coronè desce do cavalo e vamo intrá junto mode ieu tira as coisa daí, suzinho ieu nun entro ai mais é nunca.
O coronel o ajudou retirar suas tralhas e cobrir os três féretros de palhas secas, e seguiu para sede sua fazenda. Chegando lá Inácia já havia preparado o almoço, bastião seu marido contou a ela a respeito do sumiço dos três capangas e avisou da prosa do coronel o recomendando que o castigo fosse severo caso ela tocasse no assunto com alguem. Após tomar conhecimento do sumiço dos três ela ficou irradiando de alegria, por dentro, é claro. Embora sem se manifestar, mas rezando para que o carrasco Barba Ruiva nunca mais aparecesse. Já lhe bastava às cicatrizes que carregava na alma de tanto apanhar dele injustamente e ver marcas de chibatadas em seus filhos, nas suas netas e até mesmo no seu querido bastião a quem o coronel se fingia confiar.