O SONHO DE UM CORONEL MACHISTA 12º EPISÓDIO

As arvores alongavam suas sombras, com o sol pendurado, já vertido para o horizonte rumo ao seu ocaso. Quando depois de serpentear pela área mais tortuosa, a tropa cargueira da comitiva conduzida por Nicó venceu a ultima curva, entrando na parte mais reta, daquela estreita via publica que dava acesso à sede da fazenda Morrinhos. Situada no imenso latifúndio do coronel Certorio. Exuberante a natureza   com a sua musicalidade fazia coro com o tilintar dos cincerros usados pelos muares cargueiros, o  cantar de grilos e o rangido dos ingazeiros embalados pelo vento. Aonde primatas de varias espécies saboreavam as bagas doces de seus belos frutos tornando  mágico   aquele ambiente sertanemo..
Eis que de repente Barba Ruiva deteve sua montaria chamando atenção do sinhozinho Nicó, apontando uma trilha recém fornada com as  pegadas de um cavalo:
-- Tem argo errado puraqui Nicó, num será bão cagente vá cunfiri, isso pode cê coisa ruim de argum disafeto do coronè. Sinhozinho quereno, pode sigui in frente cua tropa, ieu vô tumá tento disso, pode cê invadição dargum mar fazejo. Ieu vô num pé, vorto noto mode sabê quitá cunteceno.
--Vai sim, mais leva o banguela e cavera tumem ieu vô sigui, chegano, falo pra inaça rumá o de cumê pra nois, na hora coceis vortá ta tudo pronto.
– Obedecendo a ordem de Nicó, os três capangas adentraram trilha afora, até se deparar com aquela cabana, desconhecida por eles, aliás, o filho do coronel também não tinha conhecimento de sua existência.
Dentuço que no momento voltava da pescaria, acostumado com as visitas do coronel, estranhou ao perceber que eram três, as montarias amarradas ao lado da porta de entrada. Colocou o saco de peixe fresco sobre um tronco de arvore caído, escondeu no mato e ficou à espreita, um pouco afastado observando aquela movimentação.
Famintos eles adentraram logo na cabana a procura de algo para comer. Sentiram que alguem estava pernoitando ali. A fornalha acesa com seu braseiro vivo sobre ela pendurado numa trempe, borbulhava a panela de feijão cozinhando. Postas de peixe escaladas secando ao sol. Sem delongas apanharam logo as três mantas de peixe que lá estavam, espetaram-nas cada qual numa estaca,  assaram as três ao mesmo tempo. Cada um bebeu uma boa dose de uma pinga que estava num cantil sobre um toco de madeira ao lado da fornalha. E comeram o assado.
Dentuço esperou um tempão e nada de saírem da cabana. O silencio era total. Rastejando entre os arbustos, ele aproximou sorrateiro do lado oposto à entrada, mas ouvia apenas o respirar das montarias amarradas na arvore ao lado. Olhando por entre os paus a pique na parede do fundo, ele percebeu que naquela altura os três capangas do coronel já estavam prestando suas contas com o criador lá no outro mundo. O veneno adicionado ao tempero do peixe era tão letal, que, milhares de moscas estavam mortas, espalhadas no entorno da cabana, e pelo mato afora entre os arbustos.
Dos três, Dentuços reconheceu apenas o capanga Barba Ruiva, que no passado foi seu comparsa, nas empreitadas criminosas executadas por eles. Uma afinidade do passado que o motivou a contratá-lo a mando do coronel Certorio. Os outros dois lhe eram estranhos, mas agora, também fariam parte de sua estatística criminosa, a ser contabilizada no currículo das mortes que ele praticou.
O dia estava prestes a terminar, com o sol raspando horizonte. O céu muito límpido e a noite prometia ser de uma escuridão total. A trilha de acesso até atingir a estrada que conduzia a sede da fazenda, na escuridão da mata metia medo. Dentuço sentia arrepios, calafrios. Embora fosse um pistoleiro. Temido por muitos, mas na sua profissão de matador tinha pavor de defunto. com as sombras da noite então, ele ficava apavorado.
Com mil recomendações para não aparecer na sede da fazenda, ele se sentiu num beco sem saída. Dentro da cabana, três corpos inertes esticados no chão. Dormir ali jamais. As três montarias irrequietas amarradas raspando o chão com as patas dianteiras pedindo para ser soltas. Caminhar sobre a multidão de moscas mortas estralando no solado de suas botas não era nada agradável. Tudo isso lhe parecia uma cobrança dos seus atos malignos. Sua única alternativa foi tirar as cabeçadas dos animais, amarrá-las às selas colocar os três animais na trilha e enxotá-los rumo ao curral da fazenda. Voltando nem entrou na cabana. Apanhou a féria de peixes frescos do dia sobre o tronco caído, deixando lá os três defuntos. Ele entrou na canoa, e desceu rio abaixo na direção da fazenda Bocaina, indo parar na cafua do velho Miro. Onde por varias vezes a convite ele pernoitou com ele.
--Boa noite sinhô Miro, Ieu hoje lembrei qui fais tempo qui nois num pruseia, intonse arrisurvi trazê pexe mode nois cumê e troca um dedo de prosa. Se num se importá posso drumi no vosso rancho tumém, aminhã tô vortano no rumpê da orara. O velho sentiu que algo estranho estava ocorrendo, mas como vez e outra ele lhe aparecia levando seu pescado na parte da tarde e pernoitava com ele nem cogitou perguntar mais nada.
A noite caiu rápido e o seu manto negro cobriu de escuridão aquele soturno tenebroso. Na cabana, três corpos jaziam esticados no chão.
Na fazenda Morrinhos após passar o relatório da viajem ao pai e explicar que os três capangas foram investigar a trilha bordada com rastros estranhos, Nicó foi descansar e deixou  o resto para que o pai resolvesse. Aquela pendência agora seria dele. Depois de cumprir a missão na comitiva, sua prioridade era convencer Inácia acompanhá-lo à fazenda Bocaina. Ela mataria a saudade da irmã Inhá Chica, e ele se não pudesse falar, pelo ver aquela deusa filha do coronel Tiburcio.

  (ilustração  googlo)
 
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 04/09/2017
Reeditado em 08/09/2017
Código do texto: T6103991
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