A GEADA
Noite fria do mês de junho, o vento soprava gelado do sul, preanunciando geadas das bravas na região, o agricultores passaram o dia preocupados com o temível sinal da natureza, mas pouco podiam fazer, a tarde caiu, o céu estava azul, sem nenhuma nuvem e com o temível sinal até parece que a noite chegou mais depressa naquele dia.
Os passarinhos não fizeram a costumeira orquestra do entardecer, as galinhas com seus pintainhos procuraram mais cedo o abrigo, as demais penosas o poleiro, os cavalos buscaram logo abrigo na cocheira e as vacas o curral, sinal de que até os animais percebiam o que estava por vir e, no começo de noite, somente a lua cheia reinava absoluta no céu e por causa dela, até as estrelas que reluziam com mais força nesta época do ano, perderam o seu brilho.
Por conta do frio, mamãe me chamou mais cedo para o rotineiro banho de bacia, para se agasalhar e jantar. Depois de devidamente agasalhado e de barriga cheia, como ainda era cedo para a cama gelada, empoleirei na taipa do fogão de lenha, mamãe não deixava o tição apagar e do fogo vinha um calorzinho gostoso, porem aquecia somente a parte voltada para ele, o resto gelava, por isso era preciso estar virando constantemente para que o corpo todo pudesse sentir o ar quente que vinha do fogão de lenha.
Não demorou muito e pudemos ouvir o toque dos tambores na casa dos Banzus, não sei porque tinham estes nomes, era uma família de negros, diziam que forma escravos de uma fazenda e apos a abolição, conseguiram comprar uma pequena propriedade divisando conosco, viviam juntos os pais, irmãos, tios, primos, sobrinhos, uma verdadeira tribo, todos agrupados numa grande casa de barrote a algumas centenas de metro de nosso sitio. Os Banzus viviam numa pobreza de dar dó, não eram chegados ao trabalho, os parcos recursos que ganhavam trabalhando esporadicamente aos sitiantes vizinhos, garantiam apenas a cachaça do final de semana, valendo lembrar que embora não fossem muito chegados ao trabalho, também não prejudicavam ninguém, não faziam estripulias, eram pacíficos, por isso não faltavam almas bondosas para doar alimentos e vestimentas com o qual alimentavam, principalmente osas crianças, visto que o que plantavam na pequena propriedade não dava nem para o gasto. Tinham por tradição nas noites frias como esta, acender uma grande fogueira no meio da sala e passar anoite batucando, cantando e bebendo cachaça, ao amanhecer, quando o sol começava aquecer, silenciava o batuque e só então eles dormiam esticados ao sol no terreiro.
Aquela noite foi muito gelada, tanto é que mamãe preocupada com o nosso bem estar, colocou além das cobertas, que eram poucas, algumas roupas e até sacos de estopa, que era muito usado naquela época no campo e assim bem cobertos, pudemos dormir sem nos congelar. No dia seguinte ao levantarmos, tudo estava branco, uma camada de gelo cobria os campos, nos crianças nos divertíamos procurando gelo nas águas dos bebedouros do animais e aquelas que propositalmente havíamos colocado ao relento para ver no dia seguinte, tragedia para as plantações, alegrias para nos, pois somente nesta época ou no verão com as temíveis chuvas de pedras era que podíamos chupar gelo, com o passar das horas as plantações e o gramado verde das pastagens, foram escurecendo queimados pelo raios solares.
Lá na casa dos Banzus, os tambores estavam silenciosos, cansados dos batuques e embriagados com cachaça, estavam todos dormindo ao sol deitados na relva que circundava o casarão.