O pinguço e o Capeta
Meia noite. Rosário Calango seguia cambaleando a caminho do sitio onde morava, a dois quilômetros da cidade. Pinguço inveterado levava uma garrafa de pinga na mão, e a cada passo, tirava alguns goles. Suas pernas trôpegas tropeçavam em nada. Uma coruja piou bem perto. Sobressaltado, tomou mais uns goles.
No meio do caminho, viu surgir a sua frente um riacho. Aproximou-se com a intenção de atravessá-lo. Mas, ele se alargava e se transformava num rio. Não era rio nem riacho. Era um brejo, na verdade, um grande atoleiro. Tomou mais uns goles para criar coragem e entrou naquilo que pensava ser um rio. Depois de alguns passos começou a se afundar e a lama atingiu seus joelhos. Quis voltar, mas seus pés afundaram ainda mais. Preso na lama e Irritado, gritou:
- Ô! Desgraça!
- Você me chamou?
Arregalou os olhos. Mesmo bêbado, se lembrou de que sua mãe costumava falar de que esta palavra chamava o capeta. Sentiu um arrepio e logo começou a rezar o credo. A mesma oração que sua mãe lhe ensinara um dia para afastar o coisa ruim. Neste instante, um vulto ergueu-se no meio do atoleiro. A cabeça era grande e tinha um par de chifres. Tinha orelhas pontiagudas e peludas e olhos grandes que cuspiam fogo. A boca parecia a de um cachorro grande e tinha dentes avantajados e afiados. É o diabo, falou baixinho.
Apavorado tentou sair do atoleiro, mas não conseguiu. Então, começou uma oração que aprendera com a avó. E antes mesmo que terminasse ouviu a voz que dizia: “prepara-te o teu fim chegou”! Dizendo isto aquela coisa o agarrou pela cabeça e a afundou na lama, subindo e descendo várias vezes. Depois o fez rodopiar feito um pião no meio do atoleiro, e o arremessou, em seguida, para as margens onde caiu estatelado. Ali ficou desacordado por muito tempo. O capeta, do jeito que apareceu, desapareceu.
O amanhecer chegou expulsando as sombras da noite, dando lugar ao sol. Nesta hora, apareceu uma pessoa que o acordou e o ajudou a se levantar. Depois ela seguiu em frente e desapareceu. Rosário calango apoiado no tronco de uma árvore, esperou o mundo parar de rodar. Pediu perdão a Deus e entre sinais da cruz e credos, prometeu nunca mais beber. Depois pegou o caminho de casa e seguiu resmungando: cachaça nunca mais...nunca mais.
Quando chegou a casa, sua mulher vendo-o enlameado e todo arranhado, quis saber o que acontecera. Ele não disse nada. Foi até a dispensa, onde mantinha uma garrafa de pinga escondida. Só precisava dela, para esquecer aquela criatura de olhos de fogo que quase o matou afogado na lama. E tomou uns bons goles da branquinha.