A ORELHA DO BILÓ
Zé Mulato era um negro sacudido no trabalho e também muito chegado a uma cachaça, trabalhava de segunda a sexta feira de diarista para os sitiantes do bairro mas no sábado e domingo era sagrado, lá estava o Zé Mulato na vendinha do bairro tomando todas mas na segunda feira era certo, chegava no serviço conforme combinado bem ao raiar do dia, esta qualidade o negro tinha, era pontual.
Acontece que certo segunda feira causou estranheza ao patrão, ele que chegava de manhãzinha ao romper do sol naquele dia o patrão até pensou que ele tinha dado nó no trabalho pois o sol já estava alto quando ele apareceu.
Outro detalhe observado e que dava indícios de que as coisas não estavam bem, Zé era muito proseador e contador de vantagens, principalmente das novidades de domingo, na vendinha do bairro, neste dia estava sério, carrancudo e de poucas conversas e quando lhe era dirigida alguma pergunta ele procurava se esquivar a dava resposta evasivas, porem já próximo ao horário do almoço ele não aguentou e desembuchou:
__ Patrão não se assuste não se a policia vier me procurar por aqui.
O patrão que já desconfiava que algo de errado estava acontecendo com Zé não deixou passar em branco a oportunidade para se inteirar de vez dos fatos.
__ O que foi que você andou aprontando na venda ontem Zé?
__ Nada não, patrão! mas a policia pode vir me buscar.
__ Ah, se a policia pode vir de procurar e não foi nada! Se a policia pode vir te buscar é porque boa coisa não foi e se é assim, pode pegar sua enxada e ir embora.
__ Não foi nada mesmo, patrão! É só o que estão falando por aí.
__ E o que é que estão falando por aí? Você pode me explicar?
__ Tão dizendo que eu comi a orelha do Biló
Biló era seu primo, a família tinha um pequeno sitio e la moravam todos juntos, porem cada em sua casa e também era chegado a uma cachaça, tanto é que não passavam um final de semana sem comparecer a vendinha do bairro e de lá só saiam embriagados e, apesar de ser difícil aturar a bebedeira dos dois, nunca se teve noticia de que tivessem brigado com alguém, muito menos entre eles.
Naquele domingo no entanto os dois primos começaram numa discussão que evoluiu para agressão física, se é que pode dizer que se esmurraram um ao outro pois estavam caindo de bêbados, verdade é que, não se sabe como Ze acabou mordendo a orelha de Biló e o que se viu foi muito sangue pra todo lado, até que as pessoas de bem conseguiram apartar os dois brigões mas o pior já havia acontecido: em meio ao sangue , dava para ver que faltava um pedaço da orelha de Biló.
Como o patrão ainda não havia se inteirado do ocorrido na venda, perguntou:
__ Comeu a orelha do Biló! Você ficou maluco Zé ?
O Negro muito educado, resmunga:
__ Patrão, vou fala a verdade pro sinhô, eu briguei com o Biló lá na venda por causa da mulatinha do seu Rufino e, só sei que dizem que eu dei uma mordidinha na orelha do Biló, como não acharam o naco que estava faltando, disseram que eu comi.
Depois de ouvir a narrativa, embora achando esta historia muito esquisita, ainda pergunta:
__ E você, o que você acha disso tudo?
O trabalhador meio que ressabiado, cabisbaixo responde:
__ Não sei não patrão, mas, se não acharam a orelha dele, de certo eu engoli mesmo, vice!
Com este desfecho final, balançando a cabeça negativamente em sinal de que não concordou com ocorrido e com um ar de ironia , o patrão arremata:
__ Agora que o acontecido já aconteceu, vamos deixar a orelha do Biló de lado e trabalhar, se a policia aparecer por aqui e com eles que você vai se explicar.
E continuaram o trabalho na capina da lavoura e no final de semana, lá estavam os dois na vendinha, o Biló sem um pedaço da orelha, tomando cachaça com o primo canibal.