Guerra Química

Se tem uma verdade absoluta no mundo ela é a música Química do Legião Urbana. Não existe matéria mais amedrontadora do que essa de jeito nenhum. São pouquíssimos os alunos do Ensino Médio que dizem gostar desta matéria e as provas dela causam noites de insônia em muitos corpos aflitos. Os alunos da escola Machado de Assis sofriam diversos problemas com a disciplina, ainda mais por serem alunos do professor Saulinho, o carrasco mor da cidade onde se passa esta estória.

O professor era muito nervoso e durante os 50 minutos de aula, os alunos apenas ficavam balançando a cabeça, concordando com o que ele dizia. Várias vezes ele fazia algumas gracinhas e pegava os alunos, como da vez em que ele disse:

-A fórmula da água é H20 não é?

- EEEEEEEEEEEEE - respondiam os alunos em uníssono.

-A do oxigênio é O2 não é?

- EEEEEEEEEEEEE – continuava os estudantes dedicados.

- O carbono faz vinte ligações não é?

-EEEEEEEEEEEEEEEEEE...

- Só se for para ligar para a puta que pariu! Quando vocês vão criar vergonha na cara e estudar...

E dessa forma seguia dando torra por uns vinte minutos.

Saulinho também era uma galentedor. Qualquer ser do sexo feminino era cortejado pelas suas canções amorosas e piadinhas infames. O professor distribuia seus pontos da seguinte forma: metade em trabalhos e metade em uma prova. Quem ia às aulas, fazia todos os trabalhos, automaticamente já ganhava estes 50% das notas. Agora tirar 10% nas provas era impossível! Eram dois alunos entre quarenta que conseguiam a façanha. Ninguém nunca passava com ele no terceiro bimestre e até os nerds choraram, suplicando por piedade. Eis que em certo ano, no quarto bimestre, 95% dos alunos precisavam tirar mais de 70% na última prova do Saulinho e todos já contavam com uma recuperação ou dependência, até que o professor, muito gentil, resolveu ter a caridade de dar uma aula extra no turno noturno em um dia antes da prova para que os alunos tivessem a última oportunidade de aprender a matéria e não ficarem ali na escola mais um ano.

Na véspera da prova, a sala inteira estava presente na aula-extra, mas mesmo assim ninguém conseguia entender bulhufas do assunto lecionado. No meio da aula, Saulinho sai para tomar um café e todo mundo fica lá, tentando fazer um exercício impossível, até o momento em que Ronilson, um dos alunos mais calados da sala, levanta da sua carteira, vai até a mesa do professor e abre um envelope que lá repousava. Ele tira um papel lá de dentro e lê o cabeçalho. Em seguida, sai correndo enfiando o papel dentro do bolso e sentando na sua cadeira tremendo friamente. Ele só abre a boca e diz baixinho:

- É a prova de amanhã!

Todo mundo começou a ficar inquieto, ainda mais pelo fato do professor já ter voltado para a sala. O desespero absoluto levou Ronilson a fazer o roubo e naquele momento todo mundo da sala queria ser o melhor amigo dele. Uma aula nunca demorou tanto para acabar. Ninguém mais prestava atenção nas explicações do professor. Todos só queriam saber como fariam para pegar uma cópia das questões com Ronilson, o que seria a última esperança para que todos pudessem formar e ser felizes.

Terminada a aula, a classe inteira saiu correndo para o mesmo portão que Ronsilson saia e foi preciso caminhar uns quatro quarteirões até ele criar a coragem de tirar o papel do bolso novamente. Ninguém nunca viu a sala tão unida como naquele dia. Os intelectuais fizeram um mutirão para tentar resolver as cinco questões da prova e o resultado foi lamentável: os cinco maiores cérebros da sala conseguiram fazer apenas uma questão e meia.

Já eram 10 horas da noite e a prova seria na manhã seguinte, às 7 horas. A situação estava preta! Até alguém falar que conhecia uma professora particular e que pagando uns vinte reais ela faria a prova para a classe. A sala inteira fez uma vaquinha (cinquenta centavos para cada) e foi de mutirão para a porta da casa desta salvadora de vidas, que teve a benevolência de fazer a prova. Tempo passa e tempo voa, todo mundo só queria saber como fariam para copiarem as respostas para montar sua cola particular. Outra salvadora da sala diz:

-Na minha casa temos fax! Dá pra tirar xérox para todo mundo. Meia noite e meia, a sala inteira na casa dela esperando o fax fazer as cópias.

No dia seguinte, todo mundo tenso e cada um mostrando suas habilidades em esconder o papelzinho com a solução das questões. Alguns colocavam na bolsinha, outros colavam no verso da tabela periódica, alguns já haviam memorizado todos os enunciados das questões, e por ai vai. Batia aquela ansiedade no peito de “será que vai ser a mesma prova?” “Será que ele irá desconfiar?”. Até o momento em que ele pega o envelope e entrega as venenosas.

A primeira pessoa a receber só olha para o papel e faz um gesto de “yes” com o braço e a sala inteira abre um sorriso resplandecente. Enquanto Saulinho entregava as provas, ao chegar à penultima carteira, ele se depara com apenas uma prova sobrando no envelope. Logo ele já diz:

-Está faltando uma prova! Eu tenho certeza que mandei xerocar 42!

Deu pra sentir o suor escorrendo na testa de todos. O silêncio reinou na sala até o momento em que ele pede a um aluno ir até a secretaria pedir uma cópia extra. A prova decorreu num ritmo lindo: todo mundo escrevendo sem parar. Muitos queriam ser o primeiro a entregar, com medo de que o professor desconfiasse quando visse todas as provas respondidas da mesma forma. A questão é que todo mundo ficou quietinho, fez a avaliação e entregou a prova na maior cara de pau. Se Saulinho descobriu ou desconfiou do crime, ninguém nunca vai saber. Há teorias também que ele fez isso propositalmente para ver se todo mundo passava de ano. Mas a conclusão é que só dá pra vencer a química por meios ilícitos, e a turma do Ronilson conseguiu realizar esta façanha graças a uma intervenção divina, pois após este fato ninguém mais acreditava na Química, somente no poder de Deus.

Lalinho
Enviado por Lalinho em 29/02/2016
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