Ataque do Titã
Saulo era um rapaz dócil e amável, com um coração que fazia jus ao seu tamanho (cerca de 1,98 de altura). Isso em 99% do dia-a-dia. Mas quando o rapaz cismava em explodir e liberar a sua fúria, não sobrava um ser humano perto dele.
Boa praça, Saulo estava em todas as baladas da região. A primeira vez que o rapaz explodiu, acabou sendo um choque para os amigos que não esperavam tamanha reação por uma causa tão simples. Estavam eles em um sítio, curtindo um final de semana de bebedeiras e quando Saulo pensa em ir dormir, vê a porta do quarto em que ele depositara o seu colchão fechada. Indignado com a traição, Saulo sai para fora da casa xingando todos e quebrando tudo:
- Isso não é atitude de amigo não! Eu vou matar eles. Querem me ver dormindo no chão.
Foi preciso uns quatro homens para segurarem o jovem e impedir que ele quebrasse mais banquinhos de madeira da casa. Após esse momento de fúria, em pleno inverno, estava Saulo dormindo no chão atrás de uma porta. Seus quase dois metros, ficaram menores que 50 centímetros em posição fetal e o gigante ficava encolhido atrás da porta, falando sem parar:
- No chão esse povo me colocou, no chão ficarei para sempre. Eu vou começar a ser mal de agora em diante, mal igual um diabo, cansei de ser bonzinho.
O detalhe é que a porta do quarto em que seu colchão estava permanecia apenas fechada e não estava trancada, além de haver outras camas e colchões disponíveis para o gigante dormir, porém sua raiva já havia feito ele tomar essa decisão e nada mudou sua cabeça.
Dito e feito, ele começou a ser mal e as crises foram mais constantes. Em um churrasco, Saulo deixou a carne cair dentro da churrasqueira, e, após um cara reclamar e mandar ele prestar atenção, o gigante atacou novamente e desta vez banquinhos voaram da laje até a rua. Em outro dia, em um trailler de lanches, alguém tacou um bacon nele enquanto o mesmo vomitava após muita cachaça e o mesmo aconteceu: cadeiras voaram e todo mundo saia correndo.
Quando não era crise de raiva, vinha uma depressão profunda. Certa vez havia cinco mulheres disponíveis para ele seduzir em uma roça, mas ele ficou depressivo e elas foram embora. Durante a noite, seus lamentos ecoavam pela casa toda:
- Eu sou feio demais! Ninguém merece me ver! Amanhã vou ficar o dia todo trancado na sauna. Minha feiúra é grande demais, preciso poupar os outros da tristeza de olhar um trem feio como eu. Coitada da minha mãe... que teve que me dar a luz e eu ainda nasci com cinco quilos! Um saco de arroz!
E nessa onda de depressão, os ataques cessaram por algum tempo. Até uma noite derradeira em que ninguém esperava tal reação do gigante.
Era seu aniversário e ele havia convidado seus amigos para a roça da sua tia avó. A casa ficava numa zona rural mesmo, estrada de terra e tudo mais. Galera em peso bebendo e se divertindo, até começar a chover. Como não dava para ficar na varanda ou no terreiro da casa, todo mundo teve que entrar para dentro e como os pés já estavam lambuzados de barro, a sujeira dominou o chão do recinto.
Saulo já estava sentado no sofá, cuspindo desaforos e desesperado com o que iria falar com a sua avó. Algumas pessoas começaram a dormir pelos cantos disponíveis e alguém teve a brilhante ideia de passar creme dental nos que dormiam. Todos se divertiam com a situação, menos Saulo, que ficou super furioso, pois as pessoas mexiam-se durante o sono e estavam sujando todos os lençóis e sofás da roça. Enquanto xingava, e a maioria das pessoas não tinha energia para ficar de pé e ajudá-lo, ele decidiu limpar as pessoas e evitar mais sujeira na casa.
Um dos seus amigos, Clebinho, estava dormindo de bruços com as costas toda suja de creme dental. Saulo pegou então uma lente de óculos e limpava minuciosamente a grande quantidade de produtos que deveriam ser usados para limpar dentes e não sujar a casa. Cada porção que ele retirava, desferia um xingamento:
- Ai de você se mexer nessa cama seu desgraçado. Eu te mato. Eu te esfaqueio.
Clebinho estava mais morto que tudo e nem ouvia as ameaças de Saulo. Uns trinta minutos depois, Saulo estava quase terminando a limpeza, quando Virgílio acorda em um dos colchões estirados ao chão do lado da cama e nota seu rosto sujo de creme dental. Ele passa a mão no rosto, remove o conteúdo e, sem saber o que fazer, resolve jogar nas costas de Clebinho e começa a rir da situação, ignorando o esforço que Saulo fazia nos últimos minutos para limpá-lo.
A cara de Saulo era um misto de indignação, fúria, incompreensão e vontade de matar alguém. Seu cérebro demorou a tomar uma decisão e a primeira coisa que fez foi dar um chute com toda a sua força em Virgílio. Este, que era magro como uma pluma, voou até a parede, batendo nela e caindo no chão. Ele apanhou sem saber o porquê, mas caiu rindo, pois não esperava essa reação do colega. Todos os demais que viram a cena, ficaram com dó de Saulo, mas não deixaram de rir da situação. Ele, furioso, saiu correndo pela roça e prometeu que iria arrumar uma forma de explodir a casa e matar todo mundo, pois segundo ele, era mais fácil botar fogo na casa do que limpá-la.
As pessoas que não conheciam Saulo e estavam lá, começaram a rezar e pediam pra gente desligar o bujão de gás. Durante todo o restante do dia, Saulo andava pela fazenda com um facão, e amolava ele vez ou outra para tentar assustar as pessoas. A turma, já conhecendo as crises dele, apenas ria da situação e Saulo prometia:
- Hoje vai ter fila na porta do inferno, vocês vão ver!
Mas logo a raiva passou e graças a Deus ninguém morreu por causa de uma simples pasta de dente.